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A princípio, era uma reunião familiar de estudos e mediunidade, que ocorria semanalmente na casa de Virgínia e Herculano Pires. Com o tempo, chegaram os amigos e se juntaram ao grupo.

Quando a família se mudou para a residência da Rua Doutor Bacelar, o imóvel contava com uma garagem que não era utilizada. Conforme o trabalho de Herculano se tornava mais conhecido, aumentava o número de pessoas que vinham procurá-lo, em busca de orientação espírita. Para melhor atender a essa demanda e, ao mesmo tempo, constituir um novo espaço de divulgação espírita, em 1972, o casal deu início às Palestras na Garagem, que eram semanais e dirigidas por Herculano.

Muitas delas foram carinhosamente registradas em fitas cassete pela tia Lourdes (Lourdes Anhaia Ferraz) e pelo Sr. Miguel Grisolia. Agora você pode ler as transcrições dessas gravações, fruto de um trabalho detalhado e paciente de Antonio Leite, da equipe de colaboradores da Fundação. 

SOBRE A QUALIDADE DOS ÁUDIOS: As gravações originais apresentam níveis de qualidade variáveis. Alguns trechos estão quase completamente corrompidos. A linguagem coloquial está mantida nas transcrições. A numeração não segue a ordem cronológica, mas a criação de um índice das mesmas.

 

 

 

 

Palestra 7: Comunicação mediúnica: processo, 'passividade' e sintonia

 

 

Vamos falar sobre a comunicação. Nós já falamos sobre os médiuns, estudamos rapidamente a maneira por que os espíritos conseguem fazer a transmissão através do médium. Mas vamos agora analisar a comunicação em si. O que é a comunicação mediúnica, como ela se processa e quais as suas modalidades.

Eu gostaria de começar por uma maneira de exemplificar as comunicações de acordo com os princípios fundamentais da doutrina.

Nós podemos começar pelo seguinte. O espírito é considerado, no espiritismo, como um ser fluídico. Quer dizer, uma entidade que não tem a densidade do corpo material. O corpo do espírito como nós já vimos aqui, formado pelo perispírito, sendo o perispírito formado, por sua vez, do fluido espiritual. Nós então vemos que esse corpo é também fluídico, já que ele provém do fluido espiritual ou fluido universal.

Agora, este fluido universal como nós já vimos, é praticamente a base de tudo aquilo que nós conhecemos como material. Esta posição teórica do espiritismo está hoje plenamente confirmada do ponto de vista científico, quando a física, no seu desenvolvimento, chegou à conclusão de que a matéria nada mais é do que condensação de energia. Portanto, a energia que a física encontra no plano material, através das formas de energia física, esta energia é apresentada no espiritismo do ponto de vista espiritual, mas sempre em relação com o material. Porque, como nós vimos aqui, a posição do espiritismo é perfeitamente dialética. Quer dizer, tudo quanto existe resulta sempre de uma interação entre espírito e a matéria.

Assim sendo, o fluido espiritual é o antecessor, por assim dizer, do fluido material. Ou daquilo que hoje, até há pouco as ciências recusaram essa expressão ‘fluido’, considerando que ela tinha um sentido místico. Mas hoje já existe nas ciências uma ciência especial que se chama fluídica. A fluídica que trata dos fluidos. É evidente que dos fluidos puramente materiais, mas já foi a aceitação, novamente, daquela expressão que havia sido rejeitada anteriormente, hoje ela está aceita.

Ora, quando nós falamos assim do fluido universal, nós já vimos aqui, que dele derivam todos os processos fluídicos ou os sistemas fluídicos conhecidos. Tudo quanto é fluido na Natureza provém direta ou indiretamente do fluido universal. Assim, por exemplo, quando nós falamos do perispírito, sendo ele constituído do fluido universal, nós temos uma derivação direta do fluido universal para a formação do perispírito. Quando nós falamos do ‘fluido magnético’, nós estamos falando naturalmente de um fluxo que provém também diretamente do fluido universal. Mas quando nós falamos, por exemplo, do ‘fluido elétrico’ ou de outras energias físicas conhecidas, nós estamos nos referindo a um processo de derivação indireta das energias do fluido universal, que se transformam em energias materiais, energias de tipo físico. Assim, dentro deste campo de pensamento, nós podemos dizer o seguinte. O espírito se encarna. Então nós temos o processo da encarnação. Neste processo da encarnação, nós vemos que o ser fluídico, o ser fluídico ou espírito, se transforma no ser material, o homem. E sabemos que o homem é constituído precisamente do ser fluídico e do ser material. Sendo, o ser material, o corpo orgânico que é uma produção do próprio ser fluídico ou espiritual. Assim nós temos na própria vida, na própria encarnação dos espíritos, um processo de comunicação, nós estamos dentro do campo da comunicação. O espírito se comunica no mundo material, no plano da matéria densa, no mundo, portanto, da energia condensada, o espírito se manifesta através de um instrumento material que é o corpo orgânico. Há, portanto uma materialização do espírito.

Quando nós falamos em fenômenos de materialização os espíritos muitas vezes aludem a este fato dizendo assim: que nós estamos diante do processo do fenômeno de materialização a todos os instantes. Quando nós vemos uma planta, quando vemos um animal, quando vemos um homem, nós estamos vendo materializações de formas espirituais. As formas espirituais se materializam e assim, o espírito, que é o conteúdo dessas formas, se comunica através de um processo de exteriorização das suas potencialidades, exteriorização esta que se manifesta nos corpos orgânicos. Ora, no campo da comunicação mediúnica o processo é o mesmo. Fala-se muito na economia cósmica, economia universal, o Universo tem a sua economia. E então nós vemos que neste processo da economia universal, a natureza parece utilizar-se sempre de meios mais ou menos semelhantes para as suas manifestações, as suas produções. Ela produz formas, produz meios de comunicação, produz tudo quanto ela nos pode oferecer através de um processo único. E isto vem mais uma vez dar razão àquilo que nós falamos aqui, quando tratamos da consciência mediúnica, mostrando que, no campo do espiritismo, o Universo é considerado de maneira monista. Uma concepção em que nos mostra que tudo no Universo se reúne na estruturação de um todo. O Universo não é subdividido, fragmentado, atomizado, como as ciências pareciam haver demonstrado quando iniciaram o seu desenvolvimento, separando-se em vários campos especializados para observação de certas áreas de fenômenos. Não! A visão que o espiritismo nos dá do universo é total, é global, é uma visão gestáltica.

Assim, se nós temos o ser fluídico, que é o espírito, nós temos também no processo de comunicação um ser imaterial, o ser imaterial que é o pensamento. O pensamento é considerado, por exemplo, na lógica como objeto lógico. Ora, isto aqui é coisa muito conhecida, mas convém repetir para a gente poder estruturar a sequência do assunto. O objeto lógico, o pensamento, é imaterial. Mesmo no campo do próprio materialismo, embora se queira por todas as maneiras demonstrar que há no pensamento alguma coisa de material, as últimas pesquisas, principalmente no campo da Parapsicologia, demonstraram a impossibilidade total e absoluta de se configurar o pensamento como material. A conclusão, por exemplo, do professor Rhine nas suas pesquisas na Universidade de Duke, na Parapsicologia, a conclusão a que ele chegou depois de numerosas experiências de telepatia à distância, foi a de que o pensamento é extrafísico. Ele usou a expressão ‘extrafísico’, por quê? Porque se ele falasse que o pensamento era espiritual, a sua teoria já seria a priori rejeitada pela ciência, pelos meios científicos. Porque há nas ciências, como há na filosofia, como há na religião, como há na nossa vida comum, um grande obstáculo para o desenvolvimento do pensamento além de certos limites conhecidos. E esse obstáculo nós sabemos qual é, é o preconceito. Quando o indivíduo preconcebe as coisas, ele já estabelece no seu pensamento uma posição determinada que rejeite qualquer outra ideia que venha contrariar o seu preconceito. Assim estabeleceu-se na ciência também essa condição. O preconceito científico, o que nós poderemos estender ainda mais dizendo o preconceito cultural, rejeitou até agora a possibilidade de se admitir a existência do espírito e do espiritual, portanto. Assim sendo, dizer que o pensamento é espiritual seria a mesma coisa que criar, logo de início, uma dificuldade para aceitação da teoria parapsicológica de que o pensamento não é material. Essa a razão por que o professor Rhine declarou: o pensamento é extrafísico.

O pensamento não é produzido pelo cérebro: esta é a segunda conclusão a que chegou o professor Rhine. Eu falo sempre citando Rhine porque ele é o pai da Parapsicologia Moderna, ele foi quem fundou e desenvolveu a Parapsicologia Moderna, junto com o professor McDougall. Mas na verdade o maior papel, o papel decisivo, foi desenvolvido por ele. Depois naturalmente há a sequência dos outros parapsicólogos, principalmente na Europa e nos Estados Unidos, que deram, por assim dizer, expansão ao pensamento de Rhine e confirmaram ele. Mas na verdade foi dele que partiram estas conclusões.

Então depois de concluir que o pensamento é extrafísico, o professor Rhine também chegou a esta conclusão: o pensamento não é produzido pelo cérebro, é produzido pela mente. A mente é, por assim dizer, o cérebro do espírito. Imaginemos este ser fluídico, ou seja o espírito no seu corpo perispiritual, como uma duplicata do corpo humano. Então, o espírito tem cabeça, os espírito tem braços, o espírito tem um corpo semelhante ao nosso, embora formado de uma matéria rarefeita que nos parece não ser matéria. Mas como disse Kardec, não é propriamente matéria, no sentido em que nós a concebemos, mas ainda ali existe grande quantidade de matéria. E o perispírito é um organismo semimaterial. Então o corpo do espírito pode ser encarado também como material, num sentido diferente do nosso. Aceitando naturalmente, nessa concepção, que no perispírito não existem apenas elementos materiais mas também elementos espirituais. Ora, nestas condições concebendo assim o espírito, é fácil de nós compreendermos o que é a mente. A mente é o cérebro do espírito, é o cérebro perispirital. Este cérebro do espírito é que produz os pensamentos. Os pensamentos são, então, vibrações de tipo espiritual, que penetram no campo material, que agem na nossa vida, que determinam a nossa conduta, que regem toda a nossa existência.

Ora, assim sendo, analisando o problema da comunicação, temos o seguinte. O pensamento, objeto lógico e material. A lógica não é, como sabemos, uma ciência espiritual ou dentro da classificação assim dada pelo Espiritismo. É uma ciência espiritual no sentido apenas cultural. Mas a lógica, estudando o pensamento, chegou à esta conclusão. Que o pensamento é um objeto lógico. Ele existe por si mesmo, independente, por assim dizer, do homem. Quando nós falamos uma palavra, nós estamos realizando um ato de encarnação. Encarnação, por quê? Porque uma palavra, o termo – como é chamado na lógica – nós temos a encarnação do objeto lógico que é o pensamento.

Vamos nos lembrar, por exemplo, de Sócrates. Sócrates é considerado o descobridor do conceito. Por quê? Porque ele, nas suas pesquisas, no seu indagar constante no campo da filosofia sobre a natureza das coisas e dos seres, ele chegou à conclusão de que as palavras têm uma espécie de um sentido que nem sempre é bem percebido por aqueles que as pronunciam. As palavras são ditas, às vezes, mecanicamente. As pessoas falam as coisas sem compreender bem o seu sentido. Vem daí aquele processo chamado maiêutica, o processo de Sócrates, pelo qual ele procurava arrancar do indivíduo a verdade oculta que o indivíduo não deixava transparecer nas suas palavras. Quando o indivíduo dizia para ele, por exemplo: eu quero justiça? Ele dizia: “o que é isto?” Este é o simples processo da maiêutica: “o que é isto?” Então o indivíduo tinha de dar tratos à bola, como se diz, para descobrir o que era a justiça e explicar o que era a justiça. E quando o indivíduo dava uma explicação imprecisa ele aprofundava: “não, mas isto não está bem explicado. O que é isto que você quis dizer aí? Repita de novo.” E o indivíduo ia repetindo aquilo até definir justiça. Então ele dizia: “agora você sabe o que está por trás desta palavra ‘justiça’. Quando você for falar esta palavra, justiça, pense bem o que ela quer dizer.”

Com este processo dizia Sócrates. Nós todos sabemos que a mãe de Sócrates era parteira. Então, ele dizia que ele continuava o ofício da mãe, apenas no campo do espírito. Enquanto a mãe dava nascimento à seres físicos, ele fazia o parto do espírito. Provocando nas criaturas a definição das coisas, a explicação dos conceitos, o conceito, que é o sentido, que é a essência da palavra. Provocando isto, ele fazia com que a verdade que existe em cada um de nós, a verdade que está nas profundezas do nosso espírito (porque nós, como espíritos criados por Deus, trazemos conosco os elementos básicos da verdade que nós vamos desenvolver através das encarnações. Ele fazia com que esta verdade oculta no indivíduo viesse à tona, aparecesse. Então ele dizia, eu faço o parto do espírito e trago o espírito à luz, faço ele surgir realmente na realidade em que vivemos.

Ora, então a palavra se apresenta neste caso como um processo de materialização do conceito. O termo é, portanto, a materialização do pensamento. O pensamento é traduzido por uma palavra, como pode ser traduzido por uma mímica, pode ser traduzido por pancadas, pode ser traduzido pelos signos que nós estabelecermos, inclusive os signos usados na telegrafia dos mares, através de bandeiras nos navios, dos sinais diversos, diversas formas de sinais. Todas estas coisas são tradução de conceitos, tradução portanto de pensamentos. Mas praticamente trata-se de um processo de materialização. O pensamento se materializa na palavra, na expressão oral ou na expressão escrita, de qualquer forma nós estamos materializando o pensamento.

É assim, um processo mediúnico. Por isso que eu digo que a própria vida é um ato mediúnico. O espírito, ao viver, ele se serve de um intermediário que é o corpo, o corpo material. Este corpo material, como nós sabemos, vem de um longo processo de evolução da Natureza. Nós somos na Terra, do ponto de vista material, o último elo da evolução animal na Terra, o nosso corpo é animal. Mas este corpo animal é modificado, é aprimorado, é aperfeiçoado pelo espírito que evoluiu, pelo espírito humano que desenvolveu a razão e estruturou a consciência em si.

Então este espírito consegue dominar o corpo material para se manifestar. O ato da vida, de acordo com esta concepção espírita, é um ato mediúnico. Daí, a grande importância da mediunidade que infelizmente ainda não foi compreendida no mundo. Mas que o espiritismo vem batalhando, vem trabalhando intensamente, há mais de um século, para fazer com que no meio cultural, no meio científico, no plano do conhecimento, os homens possam compreender esta verdade profunda e compreender a importância do ato mediúnico. Quando nós falamos, portanto, do ato mediúnico, estamos falando de alguma coisa que não é apenas um processo simples de interpretação de pensamento dos espíritos. É mais do que isto, é uma forma de manifestação vital. Porque o espírito que está se comunicando ali, ele está vivendo no ato mediúnico, uma vida material, graças à contribuição do médium.

Daí, certas comparações que nós vemos na bibliografia espírita. Por exemplo, comparando-se o ato da materialização de um espírito, com o próprio ato da gestação e nascimento de um ser novo na Terra. Entende-se que o espírito agindo sobre o médium realiza mais ou menos o processo de fecundação que nós vemos no nascimento de um ser material. Porque ele atua sobre o médium, faz com que o ectoplasma seja expelido do médium, ele controla a organização do ectoplasma para a formação de um ser aparente, que é aquele ser que nós chamamos a “materialização de um espírito”. E este espírito vive, fala, conversa conosco, anda, se move como uma criatura humana viva, perfeitamente encarnada. Mas este espírito estará na dependência estreita do médium e do espírito que o controla. Do espírito que conseguiu produzir aquela materialização. Assim, é como se ele fosse um filho do médium e do espírito. É uma comparação bastante curiosa, mas que nos dá também elementos para uma maior compreensão do ato mediúnico. E na comunicação nós temos a repetição deste fato através do pensamento.

Isto nos leva então a compreender o seguinte: que a comunicação mediúnica nem sempre está isenta, como se pretende, da influência do médium. Geralmente se procura uma comunicação mediúnica inteiramente desprovida de qualquer influência do médium. Isto é praticamente impossível. O ato mediúnico puro só pode ser encarado como puro, levando-se em consideração os dois elementos que o constituem. A influência do espírito transmitindo ao médium os pensamentos e provocando nele, a materialização daquele pensamento em palavras. Esta é a ação consciente ou inconsciente do espírito. Consciente nos espíritos superiores, que conhecem a técnica de comunicação. Inconsciente nos espíritos inferiores.

Mas esses espíritos inferiores quando se comunicam, estão sempre assistidos por aquilo que nós podemos chamar os técnicos espirituais que regem o ato da comunicação. Nenhum médium está no ato mediúnico abandonado a si mesmo. Mesmo quando se trata de um fenômeno de obsessão, nós sabemos que os espíritos superiores estão controlando aquele fenômeno. Então pode se dizer: por que os espíritos superiores não evitam a obsessão? Não evitam porque ela determina de uma lei cármica. De uma lei cármica, é um processo de reajuste e de educação, tanto do espírito quanto do obsedado. Os dois estão passando por um processo de reajuste de seus espíritos para um reequilíbrio emocional, espiritual, mental. Um reequilíbrio que vai lhe permitir, depois de passada a prova da obsessão, lhe permitir avançar muito mais no campo da sua própria evolução. Mas ao mesmo tempo que acontece isto com o médium, também acontece com o espírito. Quer dizer, no processo da obsessão, portanto, nós temos aquilo que podemos chamar, de acordo com a nossa linguagem comum, um mal necessário. Porque este mal decorre da necessidade de evolução de duas entidades que são ou o espírito obsessor, ou até mesmo os espíritos obsessores, que às vezes são vários, são diversos, são numerosos atuando sobre um único médium, mas todos envolvidos num processo único e daquele processo depende a evolução daqueles espíritos e do médium.

Por outro lado também, não se pense que o médium é o único aqui na Terra - o médium no caso, o obsedado. Não se pense que ele é o único que está sendo beneficiado pela obsessão. Porque o grupo familial a que ele pertence, este grupo da família também está envolvido no mesmo processo. Também está sofrendo com ele, está passando angústias por vê-lo naquela situação. Está sofrendo, muitas vezes, tanto quanto ele, ou talvez mais porque há momentos em que o obsedado não percebe bem o seu sofrimento, mas as pessoas da família sofrem muito mais. Então é um processo de evolução coletiva, não só de um grupo de espíritos, mas também de um grupo de pessoas encarnadas, de um grupo de espíritos encarnados também, não só dos desencarnados. Assim vemos que o problema da comunicação é um problema que exige de nossa parte uma contínua atenção para os seus aspectos, os seus diversos aspectos, afim de irmos compreendendo bem a gravidade do ato mediúnico.

Passamos assim, deste problema da encarnação para os demais aspectos do processo. Para que se dê realmente este processo de maneira bem clara, bem precisa, o espírito, se aproximando do médium, agindo fluidicamente sobre ele, provocando a reação fluídica do perispírito do médium, para que então o fluido do médium se case com o fluido do espírito, haja uma união, uma ligação, estabelecendo-se aí a sintonia ou afinidade entre os dois.

Estabelecida esta sintonia, nós temos aquilo que Kardec disse, temos a ligação dos fios necessários para que a comunicação se processe. Como se fosse uma comunicação telegráfica ou telefônica. Estabelece-se esta ligação, que não é através de fios materiais mas, sim, através de um processo de sintonia vibratória. Havendo, então, esta sintonia nós temos a afinidade estabelecida entre o médium e o espírito comunicante. Podemos dizer que aparece neste momento, uma nova personalidade. Não só a personalidade do médium, mas também a personalidade do espírito, ambas renovadas pelo processo de interação do médium com o espírito. Porque o espírito, agindo sobre o médium, procura transmitir a sua comunicação, procura colocar-se diante das pessoas a quem ele se dirige na plenitude da sua personalidade. Mas ele não pode fazer diretamente, ele tem que fazer por intermédio daquele indivíduo que está lhe servindo ali praticamente de intérprete. Então a sua personalidade se mistura com a personalidade do médium.

Nós podemos ver e temos visto constantemente aqui, nos nossos trabalhos. Às vezes não dá tempo de a gente chamar a atenção, como queria, das pessoas que estão presentes para o fenômeno, porque o trabalho envolve uma outra responsabilidade muito grande que é a responsabilidade da doutrinação de espíritos necessitados. Então, para não se prejudicar aquela doutrinação, aquele benefício que o espírito está recebendo, a gente deixa passar o fato sem chamar a atenção. Sempre que é possível, eu chamo a atenção e lembro que o fato que está se dando ali é um exemplo vivo daquilo que nós tratamos aqui na nossa conversa. Mas sempre que isto não for possível, os próprios assistentes podem ir percebendo isto de maneira bem clara.

O espírito tem que se servir do médium. Então, a sua personalidade se mistura com a do médium e surge assim uma outra personalidade. Quando nós vemos um espírito comunicar-se continuamente pelo mesmo médium, nós vemos que as duas personalidades se unem de tal maneira que, não raro, é mesmo comum. Comumente o médium começa, na sua própria vida habitual, na sua vida comum, a repetir expressões e, às vezes, até uma certa maneira de falar, modos, maneiras de se manifestar através de atos e de gestos mais ou menos semelhantes ao do espírito comunicante. Por quê? Porque toda vez que o espírito comunicante se aproxima dele, mesmo que não seja para comunicar-se, já se estabelece aquela sintonia fluídica e há aquela mistura de personalidades, aquela espécie de confusão de personalidades. Então nós vemos isto aparecer nitidamente nas comunicações variadas, como nós temos aqui felizmente em nosso grupo.

Aqui, como já os senhores devem ter notado, os espíritos comunicantes não permanecem sempre com um único médium, eles se comunicam através de vários médiuns. Há espíritos que ora se comunicam com um médium, depois passam para outro. Noutra sessão se comunicam por outro médium, por três, quatro médiuns. Eles se servem do médium que estiver mais à mão, por assim dizer, ou fazem isto intencionalmente para nos mostrar a diferença. Então, a gente pode notar perfeitamente quando um espírito que nos é conhecido, manifesta-se por um determinado médium e quando ele vem por outro médium, a diferença com que ele se manifesta. Uma pessoa que não esteja habituada ao tráfego mediúnico pode pensar que é um outro espírito que está se manifestando por aquele médium. E na verdade não é, é o mesmo espírito.

Eu posso citar assim para as pessoas que estão mais habituadas a assistir o nosso trabalho aqui, alguns exemplos. Por exemplo, a manifestação da irmã Ditinha. Quando ela se dá pela Helena, quando ela se dá pela Fernanda, quando ela se dá pelo próprio Wilson, que ela já se manifestou pelo Wilson. É difícil dela manter nessas comunicações, aquele mesmo tipo, aquele mesmo padrão de personalidade que ela teve com outro médium. De médium para médium, há uma variação. A variação decorre do quê? Da personalidade do médium. Não só da sua personalidade moral como também [trecho inaudível]... da sua expressão física. Ele influi naturalmente, tem de influir, porque ele é ele mesmo e ele está transmitindo comunicação de um espírito. Então a comunicação do espírito tem de se condicionar às próprias expressões do médium, à sua maneira de ser, de falar, de dizer as coisas e assim por diante. Isto é muito curioso pra nos vermos que em cada manifestação, nós temos, embora o espírito seja o mesmo, em cada médium que ele vai se manifestar, nós temos uma terceira personalidade. A personalidade do espírito, mais a personalidade do médium, nos dá a personalidade da comunicação ou do comunicante.

Isto é um aspecto bastante curioso e nem sempre fácil de observar, porque depende das possibilidades mediúnicas do ambiente. Graças a Deus, nós temos tido aqui uma possibilidade muito grande com diversos médiuns, com grande aptidão mediúnica, muita facilidade de percepção e de recepção das comunicações. Então, isto se tornou possível e este é um dos aspectos mais interessantes que nós podemos notar nas comunicações mediúnicas: a possibilidade do mesmo espírito manifestar-se por vários médiuns, mostrando não só a flexibilidade dos médiuns, mas também a flexibilidade do espírito, a sua possibilidade de dominar os médiuns mais diferentes.

Neste campo da afinidade fluídica, nós temos de lembrar uma passagem de Kardec muito interessante, em que ele fala o seguinte... aliás, foram os espíritos que falaram isto a ele. Disseram à ele: Quando você quiser fazer determinadas perguntas, sobre determinado assunto a nós, espíritos, através de um médium, é muito necessário que você converse com o médium anteriormente sobre este assunto. Ora, isto do ponto de vista da investigação científica, tem sido considerado de uma maneira completamente errônea. Os cientistas que vão investigar o problema das comunicações mediúnicas, eles acham que se o médium tiver ciência do assunto antes da comunicação, o médium vai influir na comunicação. O médium pode então dar aquilo que ele está pensando a respeito e não o que o espírito disse. Mas os espíritos explicaram à Kardec o seguinte: é interessante que o médium tenha ciência disto antes, porque nós temos a nossa afinidade com o médium e não com o perguntador, não com aquele que quer fazer a pergunta. Então o médium, estando ciente do assunto, nós temos muita maior facilidade de assimilar melhor a pergunta. Muitas vezes, a pergunta ou o problema que se expõe ao espírito, não está bem precisa, bem clara. O espírito tem a possibilidade de compreender mais profundamente o pensamento de quem pergunta, de quem interroga, se o médium já estiver informado previamente do assunto. É claro que não se vai expor minunciosamente o assunto ao médium, apenas colocar o médium naquele plano de sintonia com o pensamento do interrogante. Então, isto facilita enormemente as respostas dadas.

Este aspecto é bastante interessante, porque nos mostra mais uma vez, que o processo da comunicação mediúnica depende de uma comunicação estreita entre o espírito e o médium. O médium é um instrumento, mas não é um instrumento passivo, ele é um instrumento ativo, um instrumento vivo, um instrumento consciente. Mesmo quando o médium se porta de maneira inconsciente, quer dizer, que ele é inconsciente, ele não tem consciência do que ele está transmitindo no momento. Entretanto, ele não tem consciência quando volta ao seu estado normal, mas durante o transe, ele tem a consciência daquilo que ele está transmitindo como espírito. Então como ele não está – isso é o problema do médium inconsciente – ele não está perfeitamente ligado ao seu cérebro. Quer dizer, não está entranhado, a sua mente não está entranhada por assim dizer no cérebro, numa sintonia absoluta como quando ele está na vivência comum, no estado de vigília. Ele está mais ou menos num estado sonambúlico, mais ou menos afastado do seu próprio corpo material, ele cai em inconsciência, do ponto de vista do homem, ele cai em inconsciência. Mas o seu espírito é que está em comunicação com outro espírito que está transmitindo a comunicação que ele vai dar. Então, como espírito ele está consciente daquilo que está transmitindo. E ele está ativamente agindo na mediunidade embora o seu estado aparente seja de inconsciência.

A inconsciência decorre apenas desse desligamento de tipo sonambúlico, como se fosse um sonâmbulo, que ele está afastado, um tanto afastado do corpo material. Mas não quer dizer que ele saia do corpo material e que o espírito entre nesse corpo, como se costuma dizer popularmente. Não! Nenhum espírito entra no corpo do médium, o espírito age fluidicamente sobre o perispírito e, através do períspirito, é que ele controla o corpo do médium. Porque o perispírito é o instrumento de ligação do espírito com o corpo. Consequentemente não há uma intromissão do espírito no corpo do médium.

Pode haver por exemplo nos casos de subjugação, pode haver fatos que nos dão a impressão de que o espírito manifestante tomou posse total do corpo do médium e está fazendo o que ele quer. Então costuma-se dizer: “o espírito do médium foi afastado”. Não, não foi! Se fosse afastado o espírito do médium, o corpo não serviria para o espírito. O espírito do médium está ali, presente. Apenas há um desligamento, num sentido de afastamento, não do espírito abandonar o corpo, mas de afastamento dos controles, dos controles orgânicos do corpo. Um afastamento parcial de que se serve o espírito que intervém no médium para controlar o corpo do médium. Mas controla sempre através do perispírito do médium, porque o perispírito dele, espírito, não está ligado naquele corpo. Há portanto, uma união perfeita do perispírito com o corpo material. Durante a nossa vida, que é a manifestação do nosso espírito na Terra, o perispírito está perfeitamente ligado ao corpo material. Esta ligação se faz como vimos, como vemos no Livro dos Espíritos desde o início da fecundação. Desde deste início, é que começa a ligação espírito e perispírito. Naturalmente falando-se em perispírito, estamos falando num espírito que está se servindo daquele perispírito. Há então esta ligação que vem, num sentido que podemos chamar de biológico, desde o início da formação do feto e, depois, do desenvolvimento todo da criatura humana. 

Por isso, é preciso a gente considerar também o absurdo de certas conclusões a que chegaram alguns cientistas, particularmente o professor Stevenson, na pesquisa da reencarnação, quando ele admitiu que o espírito de um sujeito assassinado conseguiu expulsar o espírito que estava para nascer, num determinado organismo materno, expulsou aquele espírito e ele, o assassinado, ali se introduziu e tomou conta do corpo. Não, isto não é possível.

Do ponto de vista de todas as explicações que os espíritos deram a respeito e de todas as pesquisas realizadas por Kardec, e também do ponto de vista lógico, isto não é possível. Nós teríamos de admitir então que o corpo humano fosse um organismo assim, aleatório (o corpo nasce independentemente de espírito, se desenvolve de acordo com as leis puramente materiais e pode ser tomado por qualquer espírito). Não. O que pode haver, e naturalmente houve nos casos que o doutor Stevenson confundiu, porque ele não é espírita, o que houve naturalmente foi um caso de subjugação. O espírito do assassinado se aproximou de uma criança que tinha certa ligação com ele e acompanhou esta criança subjugando-a desde o seu nascimento. Naturalmente, porque isto foi permitido também pelas autoridades espirituais, se assim podemos dizer, que controlam estas coisas todas. E se foi permitido, é porque era necessário para a evolução deste espírito e do espírito do subjugado também.

Mas apesar disto contrariar profundamente o espiritismo, nós temos aqui mesmo em São Paulo pessoas que estão falando dentro do meio espírita, aceitando esta tese do professor Stevenson, esquecidos de que ele é uma autoridade na ciência, mas não é uma autoridade na ciência espírita, que ele nem conhece. Ele chegou a deduções próprias dele, mas faltou-lhe um dado, um dado essencial, que era o conhecimento da doutrina espírita. Estou certo de que se ele houvesse estudado e conhecido o espiritismo, jamais chegaria a pensar num problema desse.

E o mais curioso é que este problema não é só estranho para o espiritismo, é estranho também para a ciência em geral. Porque nós não podemos conceber, do ponto de vista científico, o desenvolvimento de um organismo biológico que vá se fazendo assim, de maneira aleatória, independente de qualquer ligação com aquilo que nós chamamos o espírito. Tanto nós, espíritas, quanto os materialistas, eles também falam no espírito. A pessoa tem o seu espírito, que é a sua personalidade. Eles acham que esta personalidade é o resultado do próprio funcionamento orgânico do homem. O cérebro produz o pensamento, segundo eles dizem. Mas justamente por isso eles não podem admitir, os biologistas e todos aqueles que tratam destes assuntos com maior profundidade no campo das ciências. Não podem admitir que um espírito que representa, que é uma consequência do próprio funcionamento orgânico, seja substituído neste organismo por um outro espírito, que é resultado de um outro organismo. Quer dizer, isto é tão ilógico para nós, quanto é ilógico para as ciências. Não sei como o doutor Stevenson pode chegar a isso. Mas são os erros dos cientistas, eles também erram.

Então nós temos de admitir e compreender esse problema da afinidade, que é bastante importante, mas compreender também que o médium é um instrumento vivo, um instrumento ativo, ele nunca é passivo. A passividade mediúnica só pode ser benéfica no sentido de ser voluntária, do médium que se coloca à mesa e resolve concentrar-se para facilitar a comunicação dos espíritos. Então ele entra num estado passivo, favorecendo ao espírito a sua comunicação.

Mas se o médium fosse inteiramente passivo, se entregasse ao espírito, como se costuma dizer, então a mediunidade seria realmente perigosa, como querem os adversários do espiritismo. Eles dizem que a prática mediúnica leva o médium a se transformar num autômato, num autômato entregue inteiramente nas mãos dos espíritos. Isto é absurdo, é porque lhes falta o conhecimento do processo mediúnico. O médium nunca é passivo, mesmo quando ele é inconsciente, ele está consciente espiritualmente daquele processo, porque ele é o intermediário espiritual e não apenas corporal, entre o espírito e o seu corpo. Ele não é um intermediário corporal entre o espírito e os assistentes, ele é um intermediário espiritual, entre o espírito e o seu corpo. Ele é que faz o corpo servir ao espírito para a sua comunicação. Vem daí então este problema de sintonia, que é importante, e a necessidade de nós observarmos bem nas comunicações mediúnicas, aquilo que Kardec chama sempre a essência da comunicação.

Não me importa a sua forma. Muitas vezes o espírito pode, sendo nosso conhecido, nós o tendo conhecido em vida, ele pode querer nos transmitir uma comunicação importante através de um médium com o qual ele não consegue afinidade suficiente. Então ele se esforça, ele faz uma transmissão que seria, por assim dizer, uma transmissão interrompida por interferências num telégrafo ou num telefone. No meio de ruídos, de barulhos, de outras vozes que interferissem na conversação, linhas cruzadas e assim por diante, que atrapalhariam. Mas ele se esforça e transmite a sua comunicação. Então nós temos de analisar aquela comunicação tranquilamente, pacientemente, com a lógica necessária para nós vermos o que que existe ali de substância. Se aquela substância concorda com a personalidade que se diz comunicante. Daí Kardec insistir sempre na necessidade do exame das comunicações, da atenção para o seu conteúdo, não para a sua forma. Muitas vezes criticaram, por exemplo, as comunicações recebidas por certos médiuns, comunicações que eram mal escritas... [corte brusco].

 

A subjugação é um envolvimento que produz a paralisação da vontade da vítima, fazendo-a agir malgrado seu. Esta se encontra, numa palavra, sob um verdadeiro jugo. A subjugação pode ser moral ou corpórea. No primeiro caso, o subjugado é levado a tomar decisões frequentemente absurdas e comprometedoras que, por uma espécie de ilusão considera sensatas: é uma espécie de fascinação. No segundo caso, o Espírito age sobre os órgãos materiais, provocando movimentos involuntários. No médium escrevente produz uma necessidade incessante de escrever, mesmo nos momentos mais inoportunos. Vimos subjugados que, na falta de caneta ou lápis, tingiam escrever com o dedo, onde quer que se encontrassem, mesmo nas ruas, escrevendo em portas e paredes. (Trecho de O Livro dos Médiuns, item 240.)


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