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Por Rita Foelker
 

Filósofo, jornalista, escritor, poeta e defensor da obra de Kardec são termos aplicados com justiça ao modesto professor que dedicou mais de 40 anos de sua vida à divulgação e defesa do Espiritismo.
 
As transmissões dos programas de rádio “No Limiar do Amanhã”, que Herculano Pires dirigiu e apresentou pela Rádio Mulher na década de 1970, nos trazem seu estilo seguro e convicto de tratar de assuntos que vão, desde atualidades e dúvidas bastante comuns entre os espíritas e não espíritas, até profundas questões filosóficas, conhecimento histórico do cristianismo, incluindo debates com personalidades que procuravam atacar o espiritismo, dentro e fora dos arraiais espíritas.
Eis uma prévia da contribuição valiosa deste autor para a cultura e o movimento espírita, da qual destacamos apenas alguns dos muitos aspectos dignos de atenção.

A cultura espírita

Um tema central que surge das reflexões e escritos de Herculano é o esclarecimento da própria natureza e razão de ser do Espiritismo no mundo e na sociedade. Segundo observa com precisão o pensador argentino Humberto Mariotti, em Herculano Pires, filósofo e poeta (Ed. Correio Fraterno), Herculano foi, entre nós, “um verdadeiro expositor humanista que colocou o espiritismo ao nível da mais elevada concepção espiritual contemporânea. Ele nos ensinou que o espírita não só se afirma pela produção e observação dos fenômenos mediúnicos, mas também, e muito especialmente na hora atual, pela visão filosófica e religiosa que possui”.

Para esclarecer essa visão filosófica e religiosa, Herculano escreveu muitos textos, artigos e livros, dentre os quais se encontram aqueles que descortinam fatos da História do Cristianismo, os quais ressaltam a necessidade da vinda do Consolador prometido por Jesus, que foi a própria Doutrina Espírita. Mal compreendida e mal interpretada pelos sacerdotes, a mensagem do Cristo, que é toda de cunho moral e prega a liberdade, foi transformada num conjunto dogmático de regras que apartavam o Ser de sua verdadeira natureza espiritual. Sua crítica então, vem exposta em Revisão do cristianismo e Agonia das religiões (ambos publicados pela Ed. Paidéia).

A pedagogia espírita

Escreve Herculano Pires que “o desenvolvimento da cultura espírita abre novas perspectivas educacionais, por isso a elaboração da Pedagogia Espírita é uma necessidade premente para a orientação do processo pedagógico nas escolas espíritas, que se constituem em uma realidade social e cultural concreta” (Pedagogia Espírita, Ed. Paidéia).

Herculano foi o fundador da Pedagogia Espírita, que hoje já se tornou um grande movimento em nosso país, com uma Associação Brasileira (a ABPE), obras, artigos acadêmicos e experiências práticas. Os marcos dessa fundação foram a Revista “Educação Espírita”, da qual seis edições foram publicadas entre dezembro de 1970 e dezembro de 1974, e o livro Pedagogia espírita, lançado em 1985, portanto, após a sua morte, com a fundamentação teórica essencial que permitiu desenhar as linhas gerais de um projeto real de educação do Ser integral.

Nesta obra póstuma, a ideia de Educação Espírita é explicada com profundidade e, ao mesmo tempo, com enorme senso prático. Ela visa o desenvolvimento do espírito reencarnante e médium em potencial, procura acender nas mentes e corações, não somente das crianças, as motivações para a autoedificação moral e intelectual.

As edições da Revista estão disponíveis para download no Issuu.

Contemplando ainda uma Pedagogia para o espírito, Herculano escreveria Educação para a morte (Ed. Correio Fraterno), já que a vida é ininterrupta. Eis a razão pela qual o ser humano precisa ser educado não somente para a encarnação presente, mas também para a futuras reencarnações, etapas de um imenso processo evolutivo a que todos os seres estão sujeitos. Ele afirma, nesse livro: “A Educação para a Morte não é nenhuma forma de preparação religiosa para a conquista do Céu. É um processo educacional que tende a ajustar os educandos à realidade da Vida, que não consiste apenas no viver, mas também no existir e no transcender.”

O Centro Espírita como polo de difusão da cultura espírita

Herculano, em diversos artigos, apresenta-nos o Centro Espírita como um lugar de estudo e difusão do Espiritismo. Eis o que ele nos diz em O centro espírita (Ed. Paidéia), um livro essencial de sua visão sobre o tema: “O Centro Espírita não é templo nem laboratório – é, para usarmos a expressão espírita de Victor Hugo: point d’optique do movimento doutrinário, ou seja, o seu ponto visual de convergência. Podemos figurá-lo como um espelho côncavo em que todas as atividades doutrinárias se refletem se unem, projetando-se conjugadas no plano social geral, espírita e não espírita. Por isso mesmo a sua importância (...) é fundamental para o desenvolvimento seguro da Doutrina e suas práticas”.

Herculano era declaradamente avesso às megainstituições espíritas. Escreve ele, no mesmo livro: “Um Centro Espírita pequeno e modesto – como na maioria o são – atrai as pessoas realmente interessadas no conhecimento doutrinário, cria um ambiente de fraternidade ativa em que as discriminações sociais e culturais desaparecem no entrelaçamento de todos os seus componentes, considerados como colaboradores necessários de uma obra única e concreta. O ideal é o Centro funcionar em sede própria, para maior e mais livre desenvolvimento de seus trabalhos, mas enquanto isso não for possível, pode funcionar com eficiência numa sala cedida ou alugada, numa garagem vazia ou mesmo numa dependência de casa familiar. As objeções contra isso só podem valer quando se trate de casas em que existam motivos impeditivos materiais ou morais.”

Seguindo essa mesma filosofia, funciona até hoje o Grupo Espírita Cairbar Schutel, núcleo que nasceu na garagem de sua casa e que hoje tem sua sede na Vila Mariana (São Paulo/SP). Muitos dos colaboradores da casa são familiares e amigos seus, que conviveram proximamente com Herculano e sua esposa, Dona Maria Virgínia.

Segundo o professor, contudo, há casas e órgãos do próprio movimento espírita que adotam ideias e práticas, as quais não se sustentam sobre os alicerces do Espiritismo, solidamente constituídos por Allan Kardec e os Espíritos Superiores. Seu apoio está nas Obras Básicas de Allan Kardec e na Revista Espírita (por ele fundada e dirigida entre os anos de 1857 e 1868, na França). Como diz o título de uma das obras de Herculano, o Espiritismo permanece, para muitos espíritas, um grande desconhecido.

A defesa de Kardec

Em seu livro Curso dinâmico de espiritismo – o grande desconhecido (Ed. Paidéia), Herculano Pires inclui um capítulo intitulado “Como Combater o Espiritismo”. Ele registra uma anotação histórica acerca da doutrina cristã dos primeiros tempos e suas distorções. Segundo afirma, textualmente, “a luta contra o Cristianismo só se tornou eficaz quando os adeptos se deixaram fascinar pelo já agonizante Império Romano. Graças a essa fascinação, o Império conseguiu submeter o Cristianismo ao seu serviço e o desfigurou em pouco tempo”. Em seguida, acrescenta: “No Espiritismo temos agora a técnica semelhante do Império das Trevas, organizado nas regiões inferiores do mundo espiritual, onde os espíritos apegados à matéria, revestidos de corpo espiritual em que os elementos materiais predominam, continuam a viver em condições terrenas. População maior do que a encarnada na crosta do planeta, essas entidades disputam as almas ignorantes e vaidosas das fileiras espíritas e as utilizam como instrumentos de confusão no meio doutrinário.”

Herculano então defendeu, por meio de livros, artigos e programas radiofônicos, os postulados doutrinários contra diversas propostas equivocadas, surgidas dentro do próprio movimento, dentre as quais destacamos o roustainguismo, no livro O verbo e a carne (Ed. Paidéia), e a “materialidade do espírito”, em A pedra e o joio (idem). Em Na hora do testemunho (Ed. Paidéia), escrito com Chico Xavier, Herculano denuncia a adulteração na obra O evangelho segundo o espiritismo, numa edição da Federação Espírita do Estado de São Paulo (FEESP), no ano de 1974.

Chico e Herculano escreveram juntos ainda outros livros, em que mensagens mediúnicas eram seguidas de comentários de ambos os autores. Ao todo, foram quatro títulos lançados pela Ed. GEEM, nesses moldes: Astronautas do Além (1972), Na Era do Espírito (1973), Chico Xavier pede licença e Diálogo dos vivos (ambos de 1974).

Segundo Chico Xavier, Herculano Pires foi “o metro que melhor mediu Kardec”.

Chico e Herculano Pires eram amigos, trocavam correspondências, que hoje fazem parte do acervo físico da Fundação Maria Virgínia e Herculano Pires.

Pioneiro do espiritismo na TV

Um importante momento da televisão brasileira, referente ao espiritismo e à mediunidade, foi o programa “Pinga-Fogo com Chico Xavier”, transmitido entre 27 e 28 de julho de 1971 pela extinta TV Tupi, Canal 4, São Paulo. Nele, Herculano Pires questionou o médium Chico Xavier sobre sua mediunidade, sobre as psicografias dos romances do espírito Emmanuel, sobre a origem das suas obras psicografadas e sobre os textos mais complexos, que tocavam em conceitos da ciência, notadamente os do espírito André Luiz. 

A preservação do acervo e divulgação da obra de Herculano

A viúva Dona Maria Virginia, após o falecimento de Herculano Pires, seguiu cuidando e conservando o seu acervo, bem como manteve a publicação de seus livros. Um ano após ela haver partido para a Pátria Espiritual, familiares e amigos do professor, considerando a importância de sua contribuição para a cultura e o movimento espírita, decidiram instituir uma Fundação, que preservasse seus documentos, objetos, textos originais, livros, arquivos de áudio, e que também continuasse divulgando a sua obra nos mais diversos meios.

Nesse intuito, a família fez a doação do imóvel onde o casal e os filhos residiram por mais de quarenta anos, além da mobília original. A casa abriga hoje todo esse material, mas ampliou a divulgação pelos meios virtuais, mantendo um site que disponibiliza textos, vídeos e áudios originais.

São objetivos da Fundação, ainda: a tradução da obra de Herculano para outros idiomas, a publicação de livros e textos inéditos e a preservação de sua memória.

A Fundação procura parceiros que queiram colaborar com este trabalho, por meio de ajuda financeira, patrocínio e, até mesmo, traduções.
 
Serviço:
Fundação Maria Virgínia e J. Herculano Pires
Site: fundacaoherculanopires.org.br
Facebook: https://www.facebook.com/herculanopires
Telefone: 55-11-5549-3053
 
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Este artigo/homenagem foi publicado na Revista Doutrina, Edição 4.


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