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A PARALÍTICA
Francisco Cândido Xavier

Horas antes de nossa reunião pública, com quatro irmãos que se achavam em nossa companhia, fomos à cidade vizinha visitar uma criança doente. Não longe da casa em que reside a pequenina enferma, encontramos uma senhora paralítica, em recanto quase isolado de extensa zona rural, que nos solicitou orarmos com ela por alguns momentos.

Muito simpática e sofredora, vivendo da caridade pública e sem qualquer parente, a situação dela realmente nos comoveu muito.

Voltamos para a nossa reunião. E, depois de nossa habitual visita a alguns lares de irmãos nossos, passamos ao desenvolvimento das tarefas da noite.

O evangelho segundo o espiritismo nos ofereceu a exame a formosa página intitulada "Uma realeza terrestre", no capítulo II, assinada por entidade espiritual que se reportava às lutas que encontrara na posição altamente destacada que usufruiu na Terra.

A comunicação foi carinhosamente estudada por uma de nossas irmãs presentes. E, no encerramento da reunião, o poeta Epifânio Leite nos trouxe o soneto com dedicatória expressiva. Ele mesmo, o poeta desencarnado, informou-nos por audição, referir-se à paralítica em penúria material que havíamos visitado horas antes.

Nota – Epifânio Leite de Albuquerque (1891-1942) nasceu e morreu em Fortaleza, Ceará. Autor do livro de poesias Escada de Jacó, membro da Academia Cearense de Letras, foi juiz de direito em Baturité, no mesmo estado. Sua poética se caracteriza pelo rigor formal e a delicadeza de sentimentos.

REFAZIMENTO
Epifânio Leite

(Versos dedicados à venerável irmã que conhecemos na realeza terrestre, há quatro séculos. Culta, não espalhou os benefícios da inteligência. Amiga incondicional dos amigos e inimiga implacável dos adversários. Generosa para com os áulicos abastados e indiferentes às vítimas da penúria.

Embora destacasse as vantagens da paz, incentivou, quanto pôde, as guerras de conquista e ambição. Agradecida aos vassalos obedientes, perseguia, até à morte, quantos não lhe observassem as diretrizes. Amada e odiada, alcançou o mais além e, à frente da verdade, preocupou-se com a redenção própria.

Regressou à Terra, várias vezes, apagando-se devagar, quanto ao brilho terreno que ostentava, até que rogou a prova final, em que a identificamos presentemente, habilitando-se no corpo enfermo e disforme, em acentuada penúria, para a ascensão próxima à espiritualidade superior.

A essa irmã admirável e valorosa, capaz de omitir-se e sofrer até a integral reparação da própria grandeza em si mesma, oferecemos aqui a nossa pálida homenagem, desejando-lhe plena vitória em Jesus e com Jesus.)

Vejo-te, soberana, aos painéis da memória!
O trono te emoldura a face de outras eras...
Oprimes sem temor, espancas onde imperas,
Fulges no fausto vão de vaidade ilusória!...

A paixão te esfogueia a fome de vanglória,
Exilas e destróis, humilhas e encarceras...
Vem a morte, no entanto, entre forças austeras,
E largas sob a cinza a pompa transitória!

Foi-se o tempo... Hoje te achei em catre duro e estreito,
Paralítica e só, parafusada ao leito!...
Chorei ao ver-te a choça e o triste quarto em ruínas!

Mas louvo o fel de agora ante o sol do futuro...
Pela dor subirás ao reino do amor puro,
Em teu carro estelar de açucenas divinas!

DOR: LEI DE EQUILÍBRIO
Irmão Saulo

É fácil dizer que esse episódio decorre de sugestão. Chico Xavier acredita na reencarnação, impressionou-se com a paralítica e inconscientemente procurou explicar o caso. Na sessão espírita, caiu em transe e, do seu inconsciente, aflorou através da escrita automática o soneto e sua dedicatória. Se perguntarmos como explicar a abertura do Evangelho na página aplicável ao caso, é fácil apelar para a influência do meio, mas toda esta explicação não passaria de um arranjo hipotético, sem qualquer prova objetiva. Simples fabulação pseudocientífica.

Na doutrina espírita não há fabulações dessa espécie. Há fatos e comprovações: a mediunidade estudada e experimentada desde Kardec até hoje, comprovando a sua realidade através de resultados positivos, além das comprovações vindas da própria área científica materialista, através das pesquisas metapsíquicas e parapsicológicas; a reencarnação submetida ao mesmo processo; a psicografia analisada em seus dois aspectos, o anímico (escrita automática) e o espirítico (escrita psíquica de autores espirituais identificados rigorosamente). Além disso, a convergência diária e universal das provas em todo o mundo.

Onde entra o poeta Epifânio Leite na fabulação inconsciente? Como e por que surgiu na memória subliminar de Chico Xavier? E como essa imagem fantasiosa conseguiu imitar o estilo do poeta? Sabemos que Epifânio Leite é quase totalmente desconhecido e que o médium não é nenhum especialista em poesia e história literária. Confrontando esse episódio com muitos outros da bibliografia espírita e das ciências psíquicas, não temos razão para duvidar da sua veracidade. A hipótese espírita se confirma no testemunho universal dos fatos. Legitima-se cientificamente através de estudos e pesquisas – espíritas e não espíritas – no correr de mais de um século.

Léon Denis definiu a dor como “uma lei de equilíbrio e educação”. Vemos nesse episódio a ação dessa lei através de quatro séculos. E não vemos Deus castigando a ex-soberana, mas ela mesma se submetendo à lei de equilíbrio para alcançar, por meio da dor, a compreensão e o sentimento de humanidade que lhe faltaram no passado.

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