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PALAVRA DE BOM ÂNIMO

Francisco Cândido Xavier

Envio-lhe o soneto que nos foi dado pelo poeta Cruz e Souza, muito lembrado por nós, num grupo de amigos, na véspera da sessão em que nos visitou. Alguns companheiros, entre eles senhoras da Guanabara, falavam sobre a possibilidade de recebermos mediunicamente uma página do poeta.

Um dos participantes da nossa conversação expressava o desejo de obter de Cruz e Souza algumas palavras de bom ânimo, em vista dos tropeços que vem atravessando na seara da fé, ante o trabalho de fraternidade que lhe foi confiado.

No dia seguinte, as nossas irmãs do Rio nos convidaram para ligeiro culto de oração. Para centralizar os pensamentos na prece, recorremos à leitura de O evangelho segundo o espiritismo, que nos ofereceu o item 15 do capítulo XVIII para meditação.

Ao término do nosso ligeiro encontro espiritual, o nosso amigo Cruz e Souza veio até nós e deu-nos a página que envio, evidentemente dedicada em espírito ao amigo que esperava por ele. Sentindo que esse apelo nos serve a todos, passamo-lo às suas mãos, na ideia de que possa ser aproveitado em nossas publicações aos domingos.

AO CULTIVADOR DO BEM
Cruz e Souza

Companheiro da Terra!... Companheiro,
Não te doa servir no solo obscuro,
Resguarda o sonho luminoso e puro
Sob os clarões do Júbilo primeiro...

Vara lama, canícula, aguaceiro,
Vence o caminho áspero e inseguro,
Plantando o Bem nas leiras do Futuro,
O Trigo excelso do imortal celeiro!...

Sofre, mas segue além das próprias dores, 
Sê bondade e perdão por onde fores, 
Olvida em prece o espanto que te invade.

Serve, tropeça, ergue-te e confia,
E encontrarás as fontes da alegria
Nas colheitas de luz da Eternidade.

(Soneto recebido pelo médium Francisco Cândido Xavier, em reunião da manhã de 18/12/1973, em Uberaba, MG)

A VOZ DA EXPERIÊNCIA
Irmão Saulo

Fala a voz da experiência neste soneto de Cruz e Souza. Quem conhece a vida do poeta, facilmente o reconhece nestas estrofes. Negro e pobre, arredio, fugindo às glórias ilusórias da Terra, sofreu na carne as provas do exílio e morreu tuberculoso. Seu talento fulgurante e sua poesia exponencial só foram reconhecidos depois da sua morte. Era o poeta maior do nosso simbolismo e não o reconhecerem em vida. Ele mesmo se retratou no soneto “Vida obscura”, como se vê no seu primeiro quarteto:

Ninguém sentiu o teu espasmo obscuro,
Ó ser humilde entre os humildes seres.
Embriagado, tonto de prazeres,
O mundo para ti foi negro e duro.

No soneto “Assim seja”, escrito em vida, como o acima citado, Cruz e Souza já dava conselhos semelhantes ao que agora envia ao companheiro que lhe suplica palavras de bom ânimo. Vejamos o seu ultimo terceto:

Morre com o teu Dever: Na alta confiança
De quem triunfou e sabe que descansa
Desdenhando de toda a Recompensa!

Setenta e seis anos após a sua morte, o poeta nos envia sonetos que o identificam pelo estilo, a temática e a posição pessoal diante do mundo e da vida. Os céticos perguntam se ele não teria evoluído, se não devia estar compondo em ritmo moderno. Se procedesse assim, como identificar-se? Neste caso, os céticos diriam: “Isso não é Cruz e Souza!”

O espírito volta, pelo pensamento, às posições antigas, reencontra o tempo perdido e nele se reintegra para nos dar a sua ficha de identidade. “Livro da matéria escrava”, só ele mesmo escreveu em vida no soneto “Livro”. O poeta se torna senhor tempo, que não é mais irreversível como lhe parecia na Terra.

A experiência da sua própria dor então lhe serve para socorrer os que ainda sofrem no exílio. E ensina os que padecem a transformar o lodo em astros, como já antevira no soneto “Clamor Supremo”, que nos deixou na sua poética terrena.

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