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CORAÇÃO DE MÃE
Uma página de Il cuore, de Edmondo de Amicis, encarna-se num doloroso fato real no Brasil. A estória do coração materno que, arrancado do peito pelo filho ingrato, ainda vela por ele, torna-se história entre nós. Chico Xavier, ao enviar-nos a mensagem abaixo, de Maria Dolores, para ser publicado no Dia das Mães, conta-nos o seguinte, ocorrido dia 25 de abril de 1972, em Uberaba:
“Uma senhora triste abeirou-se de nós e declarou-se em grande provação moral. Lamentou a própria viuvez e disse ser mãe de filho único, atualmente dono de fina cultura intelectual. O filho, depois de altamente colocado, usando procuração que ela própria lhe confiara, conseguiu subtrair-lhe todos os bens, banindo-a do sítio próspero que ela ocupava com antiga companheira de serviço. Reduzida a extremas necessidades, vira-se obrigada a empregar-se como doméstica. Mas, embora tudo isso, profundamente amargurada, não condenava o filho que ama tanto.
Conquanto nos narrasse a própria situação, só falava nele com palavras de bênção, secundadas de dor moral.
Por fim, pedia ao espírito de Maria Dolores, a generosa poetisa desencarnada, que lhe desse algumas palavras de consolo.
Confesso-lhe que muito me comovi com a história daquela mãezinha generosa e sofredora. E, com alegria, ao fim de nossa reunião, recebi a página que lhe envio.”
UM APARTE DA VIDA
Maria Dolores • psicografia de Francisco Cândido Xavier
Escuta, alma querida.
Se alguém te menospreza o coração
Ou te amarfanha a vida
A pancadas de injúria e de aflição...
Acaso, se a pessoa
A quem o teu amor mais profundo se eleva,
É aquela que te espanca ou te atraiçoa,
Procurando envolver-te em lufadas de treva...
Se o laço mais querido, porventura,
Contra o teu próprio peito às súbitas se lança,
A constringir-te em garras de amargura,
Buscando aniquilar-te a mais bela esperança
Não nutra no caminho a mágoa por escolta,
Recobre a própria chaga entre bênçãos e preces,
Não retenhas em farpas de revolta
O mal que não mereces.
Aquele, que te humilha,
Desconhece, ainda mesmo que o perdoe,
Que articula no tempo trágica armadilha
Que o colherá depois.
Coração que te ofende, ignora, no fundo,
Por mais nobre se diga e por nobre se acate,
Que mais problemas somam a si mesmo no mundo,
Ante as leis do resgate.
Raciocinando, assim, sob a verdade pura,
Não troques fel por fel nem reproves em vão
Quem, na Terra, ao invés de reproche ou censura,
Precisa muito mais de olvido e compaixão.
Lembra-te de Jesus... Ama, serve e auxilia,
Não ajuntes contigo espinhos onde estás,
E onde a vida te leve, hás de ser, dia a dia,
Uma fonte de amor e uma bênção de paz.
QUANDO A VIDA APARTEIA
Irmão Saulo
Este aparte do além nos diálogos da Terra, como bem o classificou Maria Dolores, é um aparte da vida. Os versos da poetisa nada mais fazem do que oferecer palavras de consolação à mãe aflita que, no Dia das Mães, chora a sua dracma perdida, o filho que se deixou transviar nos caminhos do mundo. O episódio relatado na carta de Chico Xavier é um aparte de angústia nos diálogos do dia em que os filhos presenteiam as mães. É um fato social que se destaca entre os outros como um objeto, segundo a definição de Durkheim, ferindo a nossa sensibilidade como uma verdadeira cutilada.
É por isso que a estória de Amicis, em sua fabulação poética, transforma-se em história na vivência de uma família brasileira. Esse coração de mãe, que abençoa o filho ingrato, mesmo depois de arrancado do peito, já não é um símbolo, mas um órgão vivo que pulsa em carne e sangue. A mãezinha sofredora, que buscou a consolação espiritual, com as mãos vazias dos bens terrenos, contando seu drama ao médium, foi atendida pela poetisa do Além. E esta soube indicar-lhe os rumos do comportamento certo, aprovando-lhe a conduta materna de perdão e amor.
Note-se que a tonalidade poética da resposta é atenuada pelo esforço de consolar. Os recursos poéticos de Maria Dolores não brilham nesse poema, através das imagens habituais, porque a objetividade do fato social esmagou a sensibilidade e a imaginação da poetisa. Temos no caso um típico momento de angústia, um instante de terror kierkegaardiano em que as Musas se calam diante da realidade existencial implacável. A poetisa emudece para que fale a compaixão.