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REVELAÇÃO DE POETA
Francisco Cândido Xavier
Regressávamos de ligeira viagem e reunimo-nos em oração, apenas três companheiros, após comentar o acidente aéreo ocorrido em Paris, no dia 3 deste mês.* Os sofrimentos de perto nos fazem meditar nos sofrimentos que se verificam longe de nós.
Ainda não refeitos das atribuições pelas quais todos passamos, com o incêndio de fevereiro, em São Paulo, reunimo-nos em prece para buscar, acima de tudo, compreensão para nós mesmos, de maneira a entendermos que a dor, em qualquer parte, vem das leis de Deus em benefício de nós próprios.
Abrimos O livro dos espíritos, antes de iniciar o nosso culto de oração, e a questão 266 veio em nossa ajuda. Pensamos no assunto e, numa confortadora surpresa, recebemos a visita do poeta Silva Ramos, que nos tomou a mão e escreveu o soneto que ele mesmo intitulou Culpas.
Ainda profundamente sensibilizados com o lamentável desastre, enviamos ao prezado amigo o soneto do poeta desencarnado, na ideia de que as suas anotações auxiliem-nos a desenvolver o nosso pensamento a respeito das desencarnações coletivas.
* 3 de março de 1974.
CULPAS
Silva Ramos
A natureza aponta a culpa que começa:
Em cidade praiana, a legião pirata
Desembarca, saqueia, humilha, fere, mata...
Por nada se detém, por mais que se lhe peça...
Quantas vidas ao mar sob golpes à pressa!...
Incêndios e orações no horror que se desata...
Depois, vinho e prazer, os botins de ouro e prata
E as horas avançando ao tempo que não cessa...
Os séculos se vão marchando em luz e treva...
Um dia, em mar aéreo, enorme nave leva
Os piratas de outrora e a justiça divina...
Surge a morte no ar... A aflição se renova...
Preces, gemidos e ais de coações em provas...
E a natureza apaga a culpa que termina.
A ESCOLHA DO ESPÍRITO
Irmão Saulo
A revelação do poeta Silva Ramos pode parecer absurda e até mesmo ofensiva para muitas pessoas. Pereceram na explosão do avião turco, sobre Paris, 345 pessoas. Três brasileiros estavam nesse número espantoso de vítimas. Como considerar todas elas criminosas, envolvidas em atos de pirataria? Convém lembrar que se trata de culpas remotas, de vidas anteriores. Quem pode, na Terra, examinando suas próprias tendências atuais, considerar que há cinco séculos tenha sido uma criatura virtuosa, incapaz de ações criminosas?
O espiritismo ensina que os espíritos escolhem e pedem as provas por que vêm passar na Terra. Outra dúvida se levanta, mas já a vemos registrada na questão 266 de O livro dos espíritos. Kardec perguntou: “Não parece natural que os espíritos escolham as provas menos penosas?” E os espíritos superiores responderam: “Para vós, sim, para o espírito, não.”
Nossas provas decorrem de nossa consciência. As leis de Deus, inscritas na consciência, levam o culpado a pedir o seu próprio castigo. Note-se a perfeição absoluta dessa justiça que não vem de fora, mas se processa de dentro para fora. O culpado é o seu próprio juiz, o mais severo dos juízes.
Por isso mesmo as provas mais graves não são imediatas. O espírito do culpado precisa amadurecer moralmente para sentir o aguilhão da consciência e obedecê-lo. As provas coletivas reúnem criaturas que nos parecem incapazes de haver cometido atrocidades. Elas tiveram de atingir esse grau atual de evolução para terem a coragem heroica de submeter-se às expiações necessárias. Nessa perspectiva, como vemos, tudo se torna compreensível. As vítimas de hoje são almas purificadas que se redimem por vontade própria. Não são mais criminosas, são heroínas da evolução.
Silva Ramos usa o soneto para mostrar, numa síntese poética, o que podemos chamar de mecânica da prova. As ações do passado dão começo à culpa; os séculos de luz e treva desenvolvem os espíritos nas experiências dolorosas; e, por fim, a culpa se apaga na prova coletiva em que todos se reúnem. As lentas depurações individuais se conjugam, no final, para o resgate coletivo em que a culpa é liquidada.