A princípio, era uma reunião familiar de estudos e mediunidade, que ocorria semanalmente na casa de Virgínia e Herculano Pires. Com o tempo, chegaram os amigos e se juntaram ao grupo.
Quando a família se mudou para a residência da Rua Doutor Bacelar, o imóvel contava com uma garagem que não era utilizada. Conforme o trabalho de Herculano se tornava mais conhecido, aumentava o número de pessoas que vinham procurá-lo, em busca de orientação espírita. Para melhor atender a essa demanda e, ao mesmo tempo, constituir um novo espaço de divulgação espírita, em 1972, o casal deu início às Palestras na Garagem, que eram semanais e dirigidas por Herculano.
Muitas delas foram carinhosamente registradas em fitas cassete pela tia Lourdes (Lourdes Anhaia Ferraz) e pelo Sr. Miguel Grisolia. Agora você pode ler as transcrições dessas gravações, fruto de um trabalho detalhado e paciente de Antonio Leite, da equipe de colaboradores da Fundação.
SOBRE A QUALIDADE DOS ÁUDIOS: As gravações originais apresentam níveis de qualidade variáveis. Alguns trechos estão quase completamente corrompidos. A linguagem coloquial está mantida nas transcrições. A numeração não segue a ordem cronológica, mas a criação de um índice das mesmas.
Palestra 5: A Interpretação do Problema do Lógos e do Verbo
[...] Não só diante da cultura mitológica, mas também de elementos da filosofia grega, a que nós temos. E esses elementos, então, haviam levado João a aceitar a tese do Lógos, que é praticamente a tese do Verbo. Aceitar a tese do Lógos, a tese grega do Lógos, como um princípio cristão - que, na verdade, não era. E um princípio espírita que, na verdade, não é.
Entretanto, quando nós compreendemos, verificando o que quer dizer a palavra Lógos, tanto no grego, quanto na sua versão latina que é para as línguas latinas [trecho inaudível], nós então verificamos que, na realidade, este princípio já estava na própria Bíblia dos judeus e, consequentemente, Lógos aparecia na Primeira Revelação. E Jesus referiu-se a ele numerosas vezes, embora aplicando palavras diferentes, palavras que entendemos por Lógos [trecho inaudível]. Então, segundo essa colocação histórica do problema do Lógos, entendemos o Lógos como Razão Divina.
É o Verbo, o Verbo que é criador, o Verbo que é esclarecedor, o Verbo que ilumina. E o Verbo é a palavra que leva o conhecimento. Mas a palavra e o Verbo nada mais são de que o pensamento. Por quê? Porque a palavra não é mais do que um sistema de sinais orais, com a qual nós aprendemos o significado de um conceito. Quer dizer, por trás de cada palavra existe um conceito, um pensamento imprimido. Esse pensamento, para ser manifestado, tem de usar a palavra, seja ela oral ou seja escrita. É através da palavra que os pensamentos se manifestam. Então, por trás de cada palavra [trecho inaudível] o conceito, a ideia. A palavra representa uma ideia. Ora, quando falamos então num Verbo como o pensamento divino ou como a ação divina, nós estamos interpretando o Verbo [trecho inaudível] na acepção exata que corresponde à interpretação espírita interveniente [trecho inaudível] e ao mesmo tempo como uma interpretação filosófica, hoje conhecida universalmente.
Então, o que queria dizer o Evangelho de João com aquela expressão de que “No princípio era o Verbo”? Queria dizer apenas isto: que no princípio era o pensamento de Deus, era a razão divina. Não existia nada além disso, desse pensamento. Existiam, então, Deus e o seu pensamento, que era criador como o Verbo. Quer dizer, a existência do Verbo é o seu poder criador.
E este pensamento de Deus ia criar o mundo! Então, por isso, dizia ele: “no princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus”. Quer dizer, o estado de Deus não era propriamente o Verbo. Deus é o senhor do Verbo, e o Verbo estava com Deus. Era Deus, mas não no sentido de que o Verbo era o próprio Deus e, sim, no sentido de que ele era parte de Deus, ele era a emanação de Deus, ele era a vontade de Deus, ele era o desejo de Deus operando. Portanto, ele era Deus, era a representação pura e viva de Deus. Mas, mais do que isto, quando nós verificamos que João escreveu o Evangelho dele, que estes eram tempos dominados pela filosofia grega, então sabemos que ali se desenvolvia também um pensamento gnóstico, das antigas formas de gnose do pensamento cristão. Nós vemos que ali havia o problema do Lógos (Verbo) colocado como um centro de discussões intermináveis. Ora, João defendendo o pensamento cristão e não querendo aceitar as colocações das teses gnósticas e, também, não querendo admitir que o pensamento grego prevalecesse nos ensinos de Jesus, ele procurou servir-se dessa expressão referente ao Verbo de maneira a transmitir, ao meio cristão, a ideia de que o Verbo era simplesmente o pensamento de Deus impregnando o mundo.Espírito não é apenas um espírito individualizado. É por assim dizer uma força, uma energia que envolve toda a realidade, toda a realidade conhecida e por conhecer, tudo quanto existe. E esta energia é uma energia mental, é o pensamento de Deus agindo no mundo.
Então nós já vimos que, quando estudamos o problema da Filosofia Espírita, no referente a espírito e matéria, nós já vimos que o Espiritismo considera “espírito” como pensamento de Deus. O pensamento de Deus agindo no mundo.
Então a preocupação de João, ao colocar isso, é precisamente definir essa posição, evitando interpretações dos gnósticos que pendiam muito para o campo mitológico, querendo figurar Deus como uma figura do Verbo existente no mundo ideal, sem levar em conta que o Verbo nada mais era do que o pensamento de Deus. Então, ele fazia a separação entre o pensamento e o próprio Deus, mas sem levar essa separação ao extremo de querer colocar o pensamento como inteiramente independente. Não, o pensamento de Deus tem que ser ligado a Deus. E assim, como o nosso pensamento, pode nos levar a criar uma obra artística, ou a arar um campo e plantar, ou a fazer qualquer outra atividade... Qualquer ação nossa depende do nosso pensamento e o nosso pensamento está presente em qualquer das nossas ações. Nós somos responsáveis por tudo aquilo que fazemos, porque aquilo tudo emana de nós mesmos e é parte de nós projetada no exterior. Assim, também acontece com o pensamento de Deus, com o Verbo.
Então a interpretação do Verbo, o conhecimento do problema do Verbo, para nós, é importante na Doutrina Espírita. Para nós podermos também colocar, de maneira precisa, os problemas da religião espírita. Quer dizer: total desligamento de todas as formas de culto exterior, de processos e sistemas sacramentais, de tudo aquilo que resulta de um passado de confusão mental, de falta de conhecimento da Humanidade e de apego a superstições. Tudo aquilo foi superado, inteiramente superado pelo Espiritismo e, portanto, a Religião Espírita não pode estar impregnada de nada disto.
É por isso que não encontramos batismo, não encontramos crisma, não encontramos cerimônia de casamento ou sacramento do matrimônio. Não encontramos as práticas sacramentais como, por exemplo, de bênção, de imantação de objetos com poderes sagrados. E nem aceitamos que um determinado objeto, porque tenha a forma de uma cruz ou de um crucifixo, ou de um santo qualquer, seja um objeto sagrado ou esteja imantado de poderes. Essa imantação de poderes não existe no Espiritismo.
Não existiu nova interpretação [trecho inaudível]. Tudo provém do pensamento, provém do Verbo. O Verbo, que não é expressão divina, o pensamento de Deus, mas o próprio Verbo como expressão humana. Então, este Verbo humano também tem a sua força, tem o seu poder criador, como nós já vimos. E ele pode representar, na vida humana, um processo bastante importante de elevação do homem. Mas é preciso que ele se desligue de todos esses resíduos do passado. Infelizmente no meio espírita isto ainda não é muito facilmente compreendido. Parece que a simples exposição que eu tentei fazer aqui já mostrou que o problema não era muito fácil. Mas é preciso que ele se dispa, que ele se desligue de todos esses resíduos do passado. Infelizmente no meio espírita isto ainda não é muito facilmente compreendido. Parece que a simples exposição que eu tentei fazer aqui procurando torná-la mais clara possível já mostrou que o problema não era muito fácil. [Parece que tem um altar que foi erigido ao deus desconhecido e que é exatamente... e dedicado ao deus desconhecido.. seguido de trecho inaudível e com participaçao do público].
Esse problema do altar ao deus desconhecido apareceu na visita do apóstolo à Atenas. Quando ele foi lá, ele entendeu que ia encontrar um ambiente muito favorável na Grécia, ao Cristianismo.
Porque a Grécia era o mundo da filosofia, o país da filosofia, era lá que ele ia encontrar. [trecho inaudível]. Mas ao chegar lá, ele encontrou grande dificuldade, porque a filosofia grega realmente era um sistema de pensamento tão altamente desenvolvido que até hoje nós podemos dizer que o nosso mundo, o mundo em que nós vivemos. Com todos os avanços da ciência e da tecnologia e do pensamentono no campo da filosofia, o nosso mundo ainda não se desprendeu do mundo grego. Quer dizer, ainda não rompeu os limites do pensamento grego. O pensamento grego ainda está abrangendo tudo quanto nós conseguimos até agora. Então, imagine-se o que era o pensamento grego naquele tempo. E quando Paulo expunha as teses cristãs, embora ele fosse um homem dotado de grande cultura, ele se chocava com certos princípios em debate na Filosofia grega. Então ele encontrou dificuldades porque os gregos não aceitavam facilmente, os gregos se firmavam nos seus princípios filosóficos e eram bastante exigentes para fazer qualquer modificação no seu pensamento.
Então eles recorreram então aquele altar ao deus desconhecido que se encontrava em Atenas. E ele perguntou quem era o deus desconhecido e ninguém sabia explicar quem era. Tinha uma inscrição apenas ao deus desconhecido, então ele se serviu daquilo e disse o Deus que eu vou mostrar é este deus desconhecido encontrado no altar, porque essa era a maneira dele atrair a atenção. Os gregos falam que gerenciaram o problema do deus desconhecido e lá existia como um problema que eles não resolviam. Quem era esse deus? Poderia ser uma alegoria, podia ser apenas uma alusão à possibilidade da existência de um outro deus que ninguém conhecia. Então ele queria mostrar que o deus desconhecido era o Cristianismo.
[Interação com o público.... inaudível]
O problema do Verbo não é grego, ele veio dos egípcios. Este problema do Verbo foi levantado no Egito, os egípcios é que trataram dos problemas... eles alinhavam isso com as suas religiões. E depois isto passou para a Grécia e da Grécia passou para a Palestina onde foi inserir-se no judaísmo. Então, nós encontramos esse problema assim colocado, como um problema divino. Procura-se significações para o Lógos tentando ver Deus impregnando o mundo. Era aliás a tese dos estóicos, eles consideravam o Lógos como o pensamento de Deus impregnando todo o Universo. Todo o Universo é impregnado por este pensamento. Agora é claro que aí há conotações, há relações entre interpretações diversas. Mas esta afirmação de João parece ser especificamente dele em que ele expôs a sua posição em Éfeso, no meio daquele caldeirão de disputas filosóficas. [ele] confirmava o Cristianismo e queria defender o Cristianismo. [Interação com o público.... Não houve antecedentes... inaudível].
O problema do Deus único existiu no mundo em várias partes, não só no Egito... [mais interações inaudível]
Mas o problema do Deus único está no Egito, aparece na China como Tao. O que é o Tao? O Tao é o caminho, é o Céu e é Deus, e é o Deus único. O Tao é único, absoluto, é o único Deus. Aparece na Pérsia com Zoroastro, ele afirmava a existência do Deus único que é impossível de se imaginar, de ser configurado numa imagem, inclusive não podia ser representada numa imagem. Porque inclusive que a única forma que nós podemos ter na Terra que nos dá uma ideia do Deus único é o fogo. O fogo que era algo que está e não está ao mesmo tempo, que não tem estabilidade e tem, que ao mesmo tempo tem. O fogo que se alimenta praticamente de si mesmo, que é o gás inflamado, e assim por diante. As colocações do Deus único houve sempre em várias regiões. Na Índia, por exemplo, também apesar de toda a mitologia... houve a colocação do pensamento do Deus único.
Mas acontece que todas essas colocações não foram compreendidas, elas ficaram apenas com um determinado grupo de sacerdotes, de iniciados que não conseguiram transmitir isto ao povo. O único momento na história do mundo em que a ideia do Deus único se torno social foi com Moisés. Aliás deu muito trabalho, ele precisou matar muita gente [mais interações porém um tanto quanto inaudíveis até o final do áudio].
É uma pena que este áudio esteja tão comprometido, o tema é muito interessante. O trecho restante deste áudio está completamente inaudível (mais ou menos 2 minutos).
O apóstolo João, um dos quatro evangelistas.
Refere-se ao Evangelho de João 1:1.