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A princípio, era uma reunião familiar de estudos e mediunidade, que ocorria semanalmente na casa de Virgínia e Herculano Pires. Com o tempo, chegaram os amigos e se juntaram ao grupo.

Quando a família se mudou para a residência da Rua Doutor Bacelar, o imóvel contava com uma garagem que não era utilizada. Conforme o trabalho de Herculano se tornava mais conhecido, aumentava o número de pessoas que vinham procurá-lo, em busca de orientação espírita. Para melhor atender a essa demanda e, ao mesmo tempo, constituir um novo espaço de divulgação espírita, em 1972, o casal deu início às Palestras na Garagem, que eram semanais e dirigidas por Herculano.

Muitas delas foram carinhosamente registradas em fitas cassete pela tia Lourdes (Lourdes Anhaia Ferraz) e pelo Sr. Miguel Grisolia.. Agora você pode ler as transcrições dessas gravações, fruto de um trabalho detalhado e paciente de Antonio Leite, da equipe de colaboradores da Fundação. 

SOBRE A QUALIDADE DOS ÁUDIOS: As gravações originais apresentam níveis de qualidade variáveis. Alguns trechos estão quase completamente corrompidos. A linguagem coloquial está mantida nas transcrições. A numeração não segue a ordem cronológica, mas a criação de um índice das mesmas.

 

 

 

 

Palestra 3: Os temas do Livro dos Espíritos, desenvolvidos nas demais obras da Codificação

Incluindo considerações sobre a ciência espírita como auxiliar das religiões

Nós vamos continuar a nossa palestra da semana passada – nossa palestra no sentido de “conversa”. Nós estávamos falando sobre o Espiritismo, uma maneira de nós o compreendermos no seu sentido geral. E eu me lembro de que, no final, eu disse “bom, nós temos que entrar mais precisamente no assunto da doutrina, como estudá-la, como iniciarmos nela, como desenvolver o nosso conhecimento doutrinário”. Mas eu não entrei porque já tinha falado demais. Vamos agora ver se a gente consegue desenvolver bem esse outro aspecto. É evidente que o que mais nos interessa, o que mais deve nos interessar, é precisamente o problema do conhecimento da doutrina. Então, em seguida àquilo que nós dissemos no sábado anterior, nós vamos agora falar da doutrina em si. Da doutrina no seu aspecto concreto, ela publicada em livros, ela colocada diante de nós para o estudo.

Nós já tivemos, me parece que na conversa anterior, uma visão geral da doutrina, da sua importância, da sua significação, do que ela representa para nós e para a Humanidade toda. Mas o que nos interessa hoje é ver como, de que maneira, nós podemos nos enfronhar da doutrina, tomar conhecimento dela em todos os seus aspectos. Nós sabemos que existe aquilo que é chamado a Codificação do Espiritismo. Essa Codificação se constitui de cinco livros fundamentais. É O Livro dos Espíritos, este é o livro básico, como nós sabemos. O Livro dos Espíritos, Kardec praticamente começou a escrever em 1854 e ele foi terminar em 1857. Foi quando... não ele terminou, um pouco antes de 1857, ainda em meados de 1856. Foi quando ele submeteu o livro à apreciação, ao confronto de vários médiuns para o reexame dos assuntos tratados.

Nós sabemos que esse livro foi escrito sem que Kardec soubesse que estava escrevendo um livro. Kardec, ao pesquisar os fenômenos, vendo a manifestação dos espíritos, ele estabeleceu conversação com os espíritos. Ele partiu do seguinte princípio: se existe um mundo espiritual e se nós queremos, aqui da Terra, tomar conhecimento desse mundo, temos de consultar os seus habitantes. É através deles que nós vamos realmente saber como é esse mundo.

E ele começou a fazer perguntas aos espíritos. Mas essas perguntas tinham apenas uma finalidade, era para ele se enfronhar do assunto. Ele queria conhecer o problema pessoalmente, individualmente. Então, ele fazia sempre um formulário de perguntas que levava às reuniões. As reuniões se passavam na casa de um senhor parisiense, uma pequena família do Senhor Baudin, onde se reuniam alguns amigos. Mas quando Kardec chegou lá, para assistir às primeiras manifestações, essas reuniões eram praticamente frívolas. Faziam-se as perguntas mais absurdas aos espíritos, perguntas corriqueiras, perguntas interesseiras de toda espécie. E Kardec foi observando aquilo.

Havia um espírito que dava o nome de Zéfiro. Zéfiro, como nós sabemos quer dizer “uma brisa”, “um vento leve”. E então ele dava esse nome, parece que de propósito. Era um nome simbólico, Zéfiro. Quer dizer ele era um espírito inconsequente, leviano, respondia a tudo. Tudo que se perguntava, ele respondia. Mas Kardec notou que havia nesse espírito uma seriedade que ele não deixava transparecer. Esta seriedade era o seguinte: quando se perguntava alguma coisa frívola, ele respondia, mas de uma maneira que dava uma lição a quem perguntava. Quer dizer, respondia, satisfazia, mas também advertia, fazia ver que aquelas perguntas não eram muito apropriadas, o interesse da reunião não era esse. Então Kardec resolveu fazer um novo tipo de perguntas, porque interessava a ele, precisamente, o conhecimento do mundo espiritual. E ele começou a trazer aquelas listas de perguntas novas formuladas, aquelas perguntas sérias. O espírito passou a responder com absoluta seriedade.

Então, a conclusão a que chegaram vários estudiosos de Espiritismo, e o próprio Kardec deixa transparecer isso nas suas notas, a conclusão foi a de que este espírito Zéfiro era um espírito elevado, mas que estava ali preparando o ambiente para Kardec chegar. Então ele tinha de entreter aquela gente, tinha de prendê-los com alguma coisa. E como o que interessava a eles eram só frivolidades, ele entregava a frivolidade, mas dando sempre uma maneira de, tirando as pessoas desse plano e levá-las para os assuntos sérios. Quando Kardec chegou e observou aquilo, e começou a fazer perguntas sérias, o ambiente mudou completamente. Dali por diante, ninguém mais fazia perguntas frívolas porque viram que as perguntas de Kardec eram muito sérias e que a reunião subiu de nível, as respostas eram todas sérias também. Kardec discutia com o espírito, o espírito dava uma informação, ele muitas vezes não concordava, discutia. E dessa maneira é que o livro foi sendo escrito.

Até que chegou um dia em que um espírito manifestou-se, que não era propriamente o Zéfiro (ou parecia não ser) e disse a Kardec que aquelas anotações que ele estava fazendo não eram para ele só, eram para ser publicadas. Essas anotações deviam constituir um livro que tinha de ser publicado, iniciando uma doutrina séria que ia tratar dos problemas espirituais. Então Kardec ficou um tanto atrapalhado com aquilo e disse “mas eu não pretendia fazer isso, eu estou fazendo...” E foi assim que nasceu O Livro dos Espíritos. Dessas anotações, Kardec, então, começou a revisá-las, a estudá-las com calma. E começou a receber na sua própria casa (no seu gabinete de trabalho, na hora em que ele estava revisando o que havia recebido), a receber sinais tiptológicos, pancadas na mesa, na parede, que o advertiam quando tinha alguma coisa a corrigir, quando estava bom. Tudo quanto ele fazia, era sempre vigiado pelos espíritos. Dali por diante ele prosseguiu e fez O Livro dos Espíritos. Quando nós lemos O Livro dos Espíritos hoje, quando nós examinamos esse livro com atenção, nós vemos que ele é um verdadeiro tratado filosófico. Um tratado filosófico escrito em linguagem simples, acessível, didática, não é em linguagem filosófica. Muita gente diz às vezes: “O Livro dos Espíritos não é filosófico, porque a Filosofia tem a sua linguagem própria e esse livro não usa essa linguagem. A filosofia tem um método de indagação que é mais profundo e minucioso do que aquele que Kardec usou.” Entretanto é preciso lembrar que a filosofia não se cinge, não se restringe sempre a um determinado sistema.

Por exemplo, quando Descartes publicou O Discurso do Método que, como nós sabemos, é um livro que abriu uma nova era no pensamento e, mesmo, na filosofia e nas ciências. O Discurso no Método, Descartes devia escrever esse livro, de acordo com o sistema adotado até aquele momento, devia escrevê-lo em latim e, no entanto, ele o escreveu em francês. E escreveu num francês claro, corrente, popular, para dar maior comunicabilidade. De tal maneira que muita gente lê hoje, O Discurso do Método, e diz assim: “bom, falam tanto desse livro e não estou achando nada”. Porque que o livro parece que não tem nada, ele flui tranquilamente, você vai lendo aquilo com facilidade. Parece que se entendeu tudo, mas não se está entendendo. Então nós temos um exemplo assim como esse de Descartes, que foi o que Kardec fez também, Kardec usou esse mesmo processo. Ele procurou traduzir as coisas mais sérias e mais graves da maneira mais clara possível e mais simples. E os espíritos usaram, com ele, o mesmo processo. Aliás, pode se ver, logo no início do Livro dos Espíritos, naquela mensagem inicial, que os espíritos dizem que era necessário apresentar ao mundo uma filosofia "livre dos prejuízos do espírito de sistema". Por quê? Porque o espírito de sistema era um espírito que complicava as coisas. A sistemática filosófica é complexa, é complicada.

Ora, quando nós queremos enfrentar um problema com clareza, precisamos muitas vezes usar uma terminologia apropriada. Porque a terminologia de uma ciência ou de um determinado campo do conhecimento, como a teologia, como a filosofia, essa terminologia tem um conteúdo próprio. Não é que os termos sejam empregados por pedantismo ou por vontade de complicar. É que não há termos que substituam. Às vezes, vai se dizer uma coisa e tem de dizer aquela palavra. Mas quando se usa isso em excesso e se cria uma sistemática que chega mesmo a criar uma barreira para os que não conhecem o problema, o assunto, por exemplo, a filosofia ou a ciência, então fica difícil de se explicar as coisas de maneira mais popular. Então, Kardec passou por cima disso, ele reduziu tudo a uma linguagem didática, ele era um professor, ele apresentou numa linguagem didática. Aliás, eu acho que é uma das coisas mais extraordinárias que ele fez. Porque conseguir colocar, embora com o auxílio dos espíritos, todos os problemas que ele colocou numa linguagem tão acessível como ele fez, é muito difícil. É muito difícil de se conseguir. E ele fez isso com facilidade. E lá por 1856, ele já estava com o livro concluído.

Mas os espíritos disseram a ele: agora submeta esse livro ao exame. Primeiro, ele conferiu o livro com os espíritos que ditaram as respostas. Depois os espíritos disseram, submeta este livro ao exame de outros médiuns. E Kardec diz que ele chegou a consultar cerca de dez médiuns para examinarem, com ele, juntamente, através da mediunidade, recebendo espíritos diversos para opinarem sobre aquilo.

Quando falamos de espíritos diversos, é preciso lembrar que Kardec tinha um método para falar com os espíritos. Aliás, nós encontramos isso no próprio Livro dos Espíritos e no Livro dos Médiuns. Ele tem mesmo tópicos especiais sobre como falar com os espíritos. Kardec estudou, nesse mesmo trabalho, a linguagem dos espíritos: a maneira com que eles nos falam, o que nós devemos perguntar aos espíritos, o que podemos perguntar e o que não devemos ou não podemos. E ao mesmo tempo ele mostrou que há uma certa distância entre os espíritos e nós. Uma certa distância que não é a distância física, mas que é uma distância de entendimento, de compreensão, de posição, de posição mental. Por exemplo, Kardec diz assim: “Às vezes, eu pergunto uma coisa ao espírito e o espírito me responde. Mas a resposta dele não me satisfaz. Então eu tenho de perguntar de novo, eu insisto com ele.” Por quê? Por que o espírito está respondendo de um outro plano. O espírito não está no nosso mundo, ele está num outro plano. A mente dele está numa posição muito diferente da nossa. Nós estamos com a nossa mente integrada num cérebro funcionando dentro de certas condições. A mente do espírito está livre. Então o espírito responde de acordo com o que ele espírito pensa, do que ele entendeu a pergunta. Mas se nós achamos que a resposta não satisfez então insistimos com ele, procurando colocar o assunto numa sintonia da nossa mente com a mente do espírito. Daí, a resposta vem exata. Quer dizer, estou me referindo a isso apenas para se ver as minúcias a que Kardec chegou no estudo, na pesquisa do Espiritismo.

E concluído o livro, submetido a esses médiuns, cada espírito que se comunicava para atender à pergunta de Kardec já era, naturalmente, um espírito elevado. Porque a simples posição de Kardec, como o Codificador do Espiritismo, já determinava a sua ligação com os espíritos designados para auxiliarem o desenvolvimento do Espiritismo na Terra. Dessa maneira esses espíritos eram elevados, mas Kardec sempre os testava. Kardec sempre queria ver se o espírito tinha condições para realmente realizar o trabalho, junto com ele. E assim, o livro foi se formando, se desenvolvendo e se completou. Mas os espíritos disseram a ele: publique a primeira edição, não inclua tudo quanto você pensou de incluir. Há partes que devem ficar de lado e essas partes virão depois. De fato, Kardec fez uma seleção por indicação dos próprios espíritos. E lançou a primeira edição de O Livro dos Espíritos. Depois quando foi na segunda edição, os espíritos mandaram incluir as partes que tinham deixado de lado. Havia problemas que não podiam ser tratados assim diretamente, imediatamente.

Um desses problemas é o da origem do homem. Era um problema muito controvertido naquele tempo, havia muitas discussões, havia lutas religiosas em torno do assunto. Então este problema, por exemplo, nós vemos no Livro dos Espíritos e não encontramos definido. Kardec, mesmo na segunda edição, teve cuidado com ele. Então ele deu duas teorias e deixa mais ou menos em suspense. Somente no livro A Gênese, que foi o último livro da Codificação, é que esse problema vai ser definido. Quer dizer, foi necessário deixar que o movimento espírita se desenvolvesse, e que houvesse muito estudo e muitas discussões a respeito dos problemas espíritas, para se criar o ambiente necessário à definição do problema.

Entretanto, as pessoas que se assustaram quando viram, na Gênese, aquela definição do problema, de que o homem veio da evolução. E de uma evolução que vem do reino mineral até o reino angelical. Muita gente se assustou com isso. Então era o momento em que, tanto Kardec, como outros estudiosos, diziam simplesmente, vejam no Livro dos Espíritos, pergunta tal e veja a resposta. De fato, lá no Livro dos Espíritos, já estava aquilo. Mas estava de uma maneira tão sintética, que muita gente não percebia. Quer dizer, ele deixou já escorado, por assim dizer, aquilo que ia dizer mais tarde, mas foi dando progressivamente. Então, nós precisamos, primeiro, nos lembrar disso. A Codificação do Espiritismo foi um trabalho progressivo. Ela não veio de chofre, não vieram todos os livros para serem publicados imediatamente. Eles foram sendo publicados aos poucos. Primeiro saiu O Livro dos Espíritos. Este Livro dos Espíritos é a obra básica fundamental. Mas esta obra, justamente por ser uma obra básica fundamental, ela é sintética. Ela apresenta todos os problemas da doutrina, todos estão neste livro. Mas estão de maneira sintética, não estão num plano de análise, de esmiuçamento do problema.

Então Kardec depois foi desdobrando o livro em outros. Por exemplo, depois de O Livro dos Espíritos, ele soltou um pequeno livro, O que é o Espiritismo. Não é propriamente um volume da Codificação. O que é o Espiritismo é um livro para iniciação, um livro para iniciar as pessoas no Espiritismo. Nós sabemos que ele se divide em duas partes. Uma parte é o que podemos chamar, a primeira parte é um debate, uma discussão. Então, Kardec apresenta as discussões dele... Não, não é um livro forjado. Realmente Kardec teve muitos debates, muitas discussões com muitas pessoas. Então ele anotou aqueles assuntos principais que eram debatidos. As argumentações usadas pelos contraditores do Espiritismo, as contestações feitas. E Kardec reuniu tudo aquilo para depois publicar também, porque ele achou interessante. Até ele diz, mesmo, que eram tantas perguntas que faziam para ele, que ele já ia publicar aquilo porque muitas respostas já estavam ali, já tinham sido dadas. Então, nós temos ali a discussão dele com o cético, a discussão com o padre, a discussão com uma pessoa, com um materialista e outras assim. Não me lembro bem a sequência. A primeira parte do O que é o Espiritismo, que é um livro pequeno, tem só discussões de Kardec com essas pessoas que contradiziam o Espiritismo, que queriam saber o que é o Espiritismo. A segunda parte é um trabalho de Kardec de iniciação no Espiritismo. Então ele expõe a doutrina não mais em forma de debate. De maneira didática, ensinando o que é a doutrina. Essa segunda parte é que deu origem ao livro chamado O Principiante Espírita. Esse livro não existe como livro independente, é a segunda parte do livro O que é o Espiritismo. Mas a Federação Espírita Brasileira foi quem fez essa separação aqui no Brasil. Ela publicou O que é o Espiritismo total, mas publicou também a segunda parte em separado com o título de O Principiante Espírita. Aliás, a medida foi boa, porque muita gente queria um livrinho pequeno para se informar do assunto, então pegava O Principiante Espírita que é apenas a segunda parte do livro O que é o Espiritismo.

Depois disso, Kardec escreveu um outro livrinho, muito pequeno (tem umas trinta páginas apenas), chamado O Espiritismo na sua Mais Simples Expressão. É um livro maravilhoso porque em poucas páginas ele resumiu, deu uma visão geral da doutrina, de maneira bem popular, era um livro para divulgação mesmo. E depois Kardec escreveu um outro livro também pequeno, chamado Instruções Práticas Sobre as Manifestações Mediúnicas. Um livro que ele, ao publicar O Livro dos Médiuns, ele o considerou superado: “Esse livrinho não precisa mais ser editado, porque agora O Livro dos Médiuns é mais completo”. Mas, passados uns cinquenta e tantos anos da sua publicação, Jean Meyer que era o Presidente da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, da “Casa dos Espíritas de Paris”, como deram o nome depois à sociedade. Jean Meyer resolveu editar de novo aquele livrinho de Kardec, Instruções Práticas sobre as Manifestações Mediúnicas. Porque O Livro dos Médiuns, por ser uma espécie de um tratado, um livro grande, muita gente achava difícil de ler. Então queriam um livro menor e, com isso, começaram a aparecer pessoas que faziam resumo de O Livro dos Médiuns e divulgavam. E aqueles resumos iam sendo lidos, mas eram resumos insuficientes, não davam conhecimentos precisos e, principalmente, os conhecimentos básicos necessários da mediunidade, os livros não davam.

Até hoje, existem muitos livrinhos assim querendo substituir O Livro dos Médiuns. Então Jean Meyer disse: “olha, em vez de estarmos enfrentando esse problema desses pequenos livros, vamos reeditar o livro de Kardec, esse pequeno livro, porque é um resumo prévio”. Kardec publicou esse livrinho e logo em seguida ele fez O Livro dos Médiuns. E este livro ficou sendo um resumo antecipado de O Livro dos Médiuns, e um resumo substancioso, bem organizado. Então, este livrinho também é um livro importante para iniciação. A iniciação teórica, nós temos no Espiritismo na sua Mais Simples Expressão, no O Que é o Espiritismo, temos a iniciação teórica. E nas Instruções Práticas sobre as Manifestações Mediúnicas, a iniciação prática para a realização das sessões e a prática da mediunidade. Com esses livros, então, esse livrinhos iniciais, nós temos os trabalhos introdutórios de Kardec para introduzir as pessoas no estudo da doutrina. Mas faltava desenvolver o Espiritismo, a doutrina que estava no Livro dos Espíritos.

Kardec começou a desenvolvê-la. De que maneira?

O primeiro livro a seguir ao Livro dos Espíritos foi O Livro dos Médiuns. Aliás, O Livro dos Médiuns traz uma indicação abaixo do título que diz assim: continuação do Livro dos Espíritos. Porque é realmente uma continuação. No Livro dos Médiuns, Kardec desenvolveu o aspecto da mediunidade que está no Livro dos Espíritos. O Livro dos Espíritos tratou das comunicações, da mediunidade, da maneira por que são dadas as comunicações. Mas aquilo que está no Livro dos Espíritos é apenas uma indicação, que depois vai ser desenvolvida no Livro dos Médiuns. Então O Livro dos Médiuns aprofunda o estudo da mediunidade e, principalmente, o estudo da maneira por que os espíritos se comunicam. Nós encontramos ali, bem esclarecido, todo esse processo. É um desenvolvimento, portanto do Livro dos Espíritos.

Em seguida ao Livro dos Médiuns nós temos o evangelho, O Evangelho Segundo o Espiritismo. O Evangelho já desenvolve um outro aspecto do Livro dos Espíritos: é o aspecto religioso. Por aí, já se vê a variedade que O Livro dos Espíritos contém, a grande quantidade de matéria. O aspecto religioso do Livro dos Espíritos é desenvolvido no Evangelho Segundo o Espiritismo. A primeira edição deste livro teve como título Imitação do Evangelho Segundo o Espiritismo...

... Depois Kardec analisando o assunto disse: “Não estamos imitando o Evangelho, não é isso que nós fazemos. Nós estamos interpretando o Evangelho, de acordo com os esclarecimentos dados pela Doutrina Espírita. Então na verdade o título certo é O Evangelho Segundo o Espiritismo.” Que foi o título que ele deu, na segunda edição, e continuou a sair assim. Neste livro, o desenvolvimento do aspecto religioso do Espiritismo é muito importante, pelo seguinte. Neste livrinho O que é o Espiritismo, nós encontramos uma definição de Kardec sobre o Espiritismo. E ao mesmo tempo ele diz assim: “que o Espiritismo não vinha para ser uma nova religião, o Espiritismo vinha com a finalidade de auxiliar as religiões”. Por quê? Porque, naquele tempo, meados do século passado, o desenvolvimento das ciências tinha tido um grande incremento no século XVIII. O século XVIII foi mesmo chamado o “século de ouro das ciências”, porque foi [de] um grande desenvolvimento científico. O desenvolvimento das ciências estava, por assim dizer, fazendo com que as religiões se sentissem abaladas. E as religiões não tinham condições para reagir contra aquilo. As igrejas se despovoavam. O interesse pela ciência era muito maior do que o interesse pela religião. E quando nós nos dirigíamos, por exemplo, a uma igreja, o que encontrávamos era sempre o povo, mas as pessoas de maior cultura, de maior conhecimento, mais voltadas para estudos, já se afastaram das igrejas, não estavam se interessando. Porque os dogmas fundamentais das religiões, os princípios que consideravam muitas coisas como misteriosas, inacessíveis à compreensão, estavam sendo destruídos pelo avanço da ciência. A ciência estava trazendo esclarecimentos que faziam com que as religiões fossem realmente abaladas.

Então, nesse processo, Kardec entendeu que o Espiritismo surgia como uma ciência nova, uma ciência que vinha tratar do espírito. Assim como as ciências, em geral, tratam dos problemas da matéria, e ele dizia isto muito bem: cada ciência trata de um aspecto do mundo material, mas nenhuma delas trata do espírito. Havia, naturalmente, a Psicologia, que devia tratar dos problemas do espírito. Mas a Psicologia já estava entrando também no campo experimental, no campo de pesquisa. E estava a caminho daquilo que ela veio a ser. Quer dizer, hoje, por exemplo, a Psicologia é considerada a ciência do comportamento. Não é mais a ciência da alma, é a ciência do comportamento. A ciência da maneira porque as pessoas se comportam na vida. E, portanto, a pesquisa das relações do indivíduo com o meio em que ele vive, com a sociedade, com o mundo.

Ora, Kardec então entendeu: está faltando a ciência do espírito. E realmente estava. E a ciência do espírito é o Espiritismo. É a ciência pela qual nós pesquisamos o espírito e procuramos esclarecer o problema do espírito, à luz da razão. Ora, sendo assim, a ciência espírita não deve se transformar numa religião, ela deve auxiliar as religiões. Ele dizia mesmo o seguinte: “As religiões estão diante das ciências numa situação muito difícil, porque elas não têm armas para lutar contra a ciência. A ciência está avançando na conquista da Natureza. Ela está investigando, está pesquisando, está trazendo a realidade das coisas ao conhecimento do homem. E as religiões ficam encasteladas nos seus dogmas, não saem dali. Então elas não têm condições para enfrentar.” Isto, para Kardec, era um prejuízo muito grande para a Humanidade. Ele dizia: a Humanidade vai ficar dividida em dois campos – o campo dos cientistas e o campo dos religiosos. Porque o homem é religioso naturalmente, o homem é essencialmente religioso. Porque ele é um espírito que traz consigo as reminiscências do mundo espiritual de que ele veio. Ele tem as suas aspirações espirituais profundas, que se realizam no campo da religião. Então, é necessário que cuidemos disso para evitar que a Humanidade seja desviada do seu processo natural de desenvolvimento. É preciso que ela se desenvolva intelectualmente, mas também afetivamente. É preciso que desenvolva os seus sentimentos também.

[N]O problema da inteligência, ligado ao problema da moral, é preciso que haja o equilíbrio. E Kardec não queria fazer do Espiritismo, uma religião. Neste livrinho, ele declara isso. As edições atuais reproduzem o texto primitivo de Kardec, lá está a declaração de Kardec: “O Espiritismo é o maior auxiliar das religiões, ele vem trazer às religiões, as armas de que elas não dispõem”.

Por exemplo, a religião diz que existe a alma, diz que nós somos espíritos, que nós morremos e continuamos vivos em espírito. Mas a religião não prova isso, a religião não pode provar isto, isto é apenas uma afirmação dogmática. Ora, diz Kardec: “O Espiritismo prova.” O Espiritismo, inclusive, pode provar isto em pesquisa de laboratório. Como de fato os cientistas começaram a pesquisar o Espiritismo, através dos médiuns em pesquisas de laboratório, e verificaram a manifestação da alma através de fenômenos físicos evidentes. Não apenas os fenômenos de movimentação de objetos, mas também os fenômenos principalmente de materialização, de voz direta, de escrita direta. Fenômenos em que os espíritos atuam sobre a matéria e demonstram a sua realidade. Então diz Kardec: “o Espiritismo leva a todas as religiões, essas armas que colocam as religiões na mesma posição das ciências”. Nós vamos então enfrentar a ciência, dizia Kardec, no mesmo campo em que a ciência trabalha e com as mesmas armas. A ciência usa as armas da pesquisa, da experimentação. Nós vamos usar estas mesmas armas e vamos provar que a religião está com a verdade. Mas as religiões como nós sabemos, como tudo no mundo, desenvolvem-se de acordo com as necessidades de certas épocas, de certos tempos. E de tempo para tempo, as religiões modificam-se, mas lentamente, adaptando-se mais ou menos às condições necessárias. Aconteceu que as religiões constituem, como nós sabemos, um elemento de aglutinação social. Cada nação, cada país, cada raça, cada povo tinha a sua religião. Esta religião era um elemento de aglutinação. Um elemento que unia o povo, ligava todos num pensamento único e permitia maior unificação das criaturas dentro do sistema religioso. Então, as religiões naturalmente divergiam entre si, como ainda hoje, como nós sabemos. Hoje a evolução já mostrou que essa sistemática quase localizante, localizando a religião num determinado povo, ela foi superada pelo cosmopolitismo a que o mundo foi levado com o desenvolvimento das comunicações, dos transportes, de tudo quanto modificou aquela situação estática da Humanidade nos tempos anteriores.

Então as religiões não puderam aceitar isso. Porque o Espiritismo surgia tocando nos pontos essenciais da religião. A existência de Deus, a sobrevivência da alma, a situação do espírito depois da morte, o problema da reencarnação (que foi um problema difícil de ser colocado). Todos esses problemas davam assim, ao Espiritismo, um colorido de religião. E as religiões reagiram, reagiram violentamente. No começo, no tempo de Kardec, havia espíritas católicos, espíritas protestantes, espíritas judeus, espíritas de todas as religiões. Mas aconteceu que as religiões começaram a expulsar de seu seio, aqueles de seus adeptos que aceitavam o Espiritismo. Então foi o momento que Kardec disse: “Bom, nós tentamos, nós quisemos levar, às religiões, as armas de que elas necessitavam e não possuíam. Entretanto as religiões não aceitaram e, além de não aceitarem, não permitem que os seus adeptos aceitem também essas armas.” Quer dizer, os espíritas chegaram a tal ponto que eles tiveram que tomar o seu próprio caminho. Quer dizer, tem de haver então, a religião espírita. E foi aí que ele passou a elaborar O Evangelho Segundo o Espiritismo. Então este é o livro básico da religião espírita, O Evangelho Segundo o Espiritismo, mas sempre com suas ligações com O Livro dos Espíritos. Cada livro da Codificação está ligado a este livro, ao livro fundamental.

E no desenvolvimento do Evangelho Segundo o Espiritismo, Kardec mostrou a ligação necessária do Espiritismo com o cristianismo. Quer dizer, o cristianismo é um processo histórico, um processo único. Ele vem do judaísmo, de onde nasceu. Podemos dizer que o cristianismo é uma reforma do judaísmo. Jesus nasceu judeu, cresceu judeu, educado no judaísmo. Mas quando ele se tornou capaz de executar a sua missão como criatura humana, ele teve que se sujeitar, como todos os espíritos, ao nascerem na Terra, num corpo humano, têm que se sujeitar às leis biológicas, fisiológicas, ao desenvolvimento do corpo. Quando ele atingiu aquele ponto em que, não só ele estava capaz de pregar, mas, também, ele já havia adquirido o entrosamento necessário na cultura do seu tempo e do seu povo, ele começou a reformar o judaísmo. Nós sabemos que o fato da morte, do sacrifício de Jesus, decorre disso: foi um transformador religioso contra o qual os judeus reagiram. E naturalmente o consideraram um elemento nefasto e, por isso, o crucificaram. Então, do judaísmo nasce o cristianismo. Por que do judaísmo? Nós estávamos numa época puramente mitológica no tempo de Jesus. Todas as religiões do mundo eram de fundo mitológico, eram religiões míticas, baseadas em mitos, todas elas. Entretanto a religião judaica que também era mitológica no início, ela evoluiu mais rapidamente do que as outras. Ela chegou a um ponto em que os mitos foram substituídos pelas manifestações dos espíritos. Por exemplo, Jeová ou Iavé, o deus supremo dos judeus, ele era um deus que falava com o seu povo, que se manifestava. Mas o mais importante, no caso do judaísmo, é que este Jeová ou Iavé era considerado o deus único, o deus supremo.

Ora, alcançar a compreensão da unidade do Universo é um grande avanço na evolução da mente, do espírito humano. Só através de um grande avanço se chega a essa compreensão. O politeísmo, baseado na mitologia, com seus múltiplos deuses, seus muitos deuses, o politeísmo apresentava uma concepção fragmentária do Universo. Quer dizer, encarava-se o universo como uma série de ocorrências, de fenômenos que não teriam ligações entre si, que eram díspares, que não se uniam, não se juntavam. Daí, cada setor da Natureza parecer como tendo um deus que o governava. E a multiplicidade dos deuses representava a falta de unidade do espírito humano. Quer dizer, o espírito humano ainda não estava suficientemente unificado na sua evolução, para mostrar uma individualização espiritual profunda, capaz de ter uma ideia geral do Universo de uma forma unitária. Entretanto com os judeus apareceu isto. Os judeus foram o primeiro povo na história das religiões no mundo a aceitar o monoteísmo.

Mas não foi fácil não, a gente lendo a Bíblia vê a luta de Moisés para fazer com que eles aceitassem o monoteísmo. Foi mesmo até imposto, vamos dizer que imposto até à força, para que eles pudessem realmente aceitar. O episódio do bezerro de ouro nas fraldas do Sinai, enquanto Moisés recebia as tábuas da lei, é uma prova da luta tremenda que Moisés teve de ter para conduzir o povo judeu ao monoteísmo. Mas ele conseguiu.

Então... A condição monoteísta do povo judeu era uma condição essencial para que Jesus nascesse ali e, dali, ele pudesse partir para a sua mensagem, que era uma mensagem nova, baseada na unicidade de Deus.

Então, do judaísmo nós passamos para o cristianismo. O cristianismo é a realização daquela ideia da unidade de Deus que havia entre os judeus, mas que não tinha eficácia no sentido de propagação para o mundo. Por que não tinha eficácia? Porque o povo judeu, com a sua religião, estava isolado de todos os demais povos. Havia, como há, a ideia que ainda hoje há entre os judeus, a ideia de separatividade racial bem arraigada. Podemos dizer que a religião judaica foi talvez uma das mais poderosas, no sentido de conseguir aglutinar a estrutura social de um povo. Porque mesmo depois que os judeus foram expulsos da sua terra, ficaram sem pátria e sem terra, eles continuaram unidos através da religião, a religião foi a grande força que os uniu, que os manteve unidos. Então, o conteúdo de energia suficiente para unir o povo, que o judaísmo possuía, era enorme, era um poder imenso. Ora, esse poder imenso não podia ser propagado porque os judeus se fechavam entre si. Havia o conceito de pureza e de impureza. Eram puros os Filhos de Israel; eram impuros, os outros povos. Assim como também, para os romanos, por exemplo, eles eram civilizados, os outros eram bárbaros. Os gregos, a mesma coisa. Mas Israel chegava a um ponto máximo, a tal ponto de considerar os outros como impuros, somente eles eram puros. E essa divisão, de puros e impuros, não permitia a divulgação do monoteísmo. Os judeus ficavam isolados.

Jesus rompeu com isso porque ele reformou o judaísmo, mostrando que tudo aquilo que correspondia aos sistemas antigos da raça não podia continuar. Era preciso modificar tudo para dar um sentido universal à mensagem judaica. Os judeus não foram capazes de entender isso. É um processo histórico que vem do mundo espiritual, influindo sobre um povo que estava em condições de ajudar o desenvolvimento da evolução humana. Mas eles não foram capazes de compreender.

Eles esperavam o advento do Cristo, como uma entidade que viria à Terra para lhes dar a supremacia sobre todo mundo e o poder sobre todas as nações. As Doze Tribos de Israel seriam então estendidas por toda a Terra, todos os povos seriam subjugados e convertidos nas doze tribos, para que eles pudessem dominar o mundo. Eles não entendiam o sentido espiritual desse ensino, que lhes havia sido dado pela revelação mosaica. Entretanto, Jesus, com a sua simplicidade, ele transmitiu ao povo mensagem nova. E ensinou que não era através de um domínio material mas, sim, de um domínio espiritual, da propagação de uma ideia, que [se] devia transformar o mundo que os judeus sabiam que ia atingir a universalidade. Mas para isso era preciso romper com aquela estagnação, com aquele isolamento dos judeus. Era preciso a comunicação com todos. E daí, Jesus apresentar Jeová ou Iavé, já não mais como o “deus dos exércitos” que está lá na Bíblia, mas como Pai. Pai não apenas dele, Pai de todos os homens, Pai de todas as criaturas. Quer dizer, ao usar essa palavra “pai”, Jesus quebrou totalmente o isolamento dos judeus. Ele mostrou que Deus, sendo pai de todas as criaturas, não havia mais razão para discriminações. Todos eram iguais perante Deus. Porque Deus, como pai muito superior aos pais humanos, o que ele diz constantemente no Evangelho, muito superior aos pais humanos... um Deus que é a paternidade de todas as criaturas faz, naturalmente, a fraternidade de todos os povos. Então, temos a passagem do judaísmo para o cristianismo.

Mas o cristianismo, no seu desenvolvimento, ainda não teve condições suficientes para fazer aquilo que estava programado dentro do processo cristão, do processo de desenvolvimento do cristianismo. Por quê? Porque o cristianismo, para se desenvolver – e isto é um processo histórico, não queremos aqui dizer que foram forças políticas, religiosas que impediram. É um processo histórico que é difícil mesmo de se realizar, tem o seus empecilhos pela frente e os seus empecilhos tem ser vencidos lentamente. O cristianismo, para atingir os seus objetivos, ele tinha que se espalhar, que ser divulgado e penetrar o mundo. É aquela parábola do fermento, da medida de fermento, de uma porção de fermento na medida de farinha. Põe o fermento para levedar a farinha, levedar a massa. Então, o fermento tem de penetrar na farinha. Então o cristianismo tinha de penetrar no mundo. Daí a dispersão dos apóstolos pelo mundo em sua pregação, o trabalho imenso de Paulo, que foi um trabalho fundamental para a divulgação do cristianismo. Mas ao mesmo tempo, o cristianismo, que era até o tempo de Paulo uma espécie de seita judaica, ficou sendo uma seita, uma seita judaica que realizava suas reuniões nas sinagogas, que exigia das pessoas que queriam se tornar cristãs que, primeiro, se tornassem judias para, depois, poderem ser cristãs. Esse cristianismo foi completamente modificado pelo trabalho de Paulo. Porque Jesus, como nós sabemos, foi buscar Paulo na estrada de Damasco e não esperou que ninguém ensinasse a Paulo, ele ensinou Paulo diretamente, como o próprio apóstolo Paulo disse, o Evangelho. Tanto que ele não voltou a Jerusalém para aprender, com os apóstolos, o Evangelho. Ele, ainda de Damasco, foi ao deserto e lá ele ficou meditando. E depois ele voltou para trabalhar e começou a pregar. E foi a Jerusalém mostrar para os apóstolos que ele conhecia o Evangelho.

Quer dizer, o Evangelho lhe foi dado diretamente por Jesus. Por quê? Porque Paulo era o espírito que estava em melhores condições, naquela época, para liderar esse trabalho. Então eles conseguiram levar esse cristianismo a todos os povos. Paulo retirou a igreja cristã de dentro das sinagogas. "Igreja", naquele tempo, era o que se entendia por "assembleia, o conjunto de pessoas", como é o significado da palavra. Um conjunto de pessoas que têm a mesma fé, que têm o mesmo interesse religioso, então se reúnem, é uma igreja. Mas a finalidade não era construir uma igreja, no sentido das igrejas mitológicas existentes. Então, nós vemos, na história do cristianismo, que, até o final do quarto século, as reuniões cristãs eram feitas assim, como nós estamos aqui. Feitas em locais simples, salas alugadas, locais sem nenhuma suntuosidade arquitetônica, nem interior. Nas igrejas cristãs não havia altares, não havia imagens, mesmo porque os judeus, como sabemos não admitiam a existência de ídolos. Eles eram contra os ídolos e o cristianismo também era assim. Nas igrejas cristãs realizava-se o culto, o culto do espírito – o culto do pneuma, como diziam do ponto de vista dos gregos. O culto do espírito. E esse culto do espírito era feito através da mediunidade. Nós podemos ver isto principalmente na I Epístola de Paulo aos Coríntios, onde ele trata dos dons espirituais, em que ele descreve praticamente uma sessão mediúnica. Uma sessão mediúnica dos apóstolos, mostrando como os médiuns deviam se portar à mesa, como falar, como dar as suas mensagens, como exercitar os seus dons especiais. E chega mesmo a dizer, ao tratar da mediunidade de xenoglossia (ou seja, a mediunidade de línguas, de falar línguas estranhas), ele chega a advertir que aqueles médiuns que vão falar numa língua estranha, que prestem atenção se existem, ali na reunião, pessoas capazes de compreender e de traduzir a sua mensagem. Se não existir, ele diz que não deem a mensagem. Tudo perfeitamente prescrito, mostrando que eles conheciam muito bem o problema da mediunidade e das comunicações mediúnicas, das comunicações espirituais. E não é só Paulo que diz isso. Nós sabemos que Pedro também trata deste assunto na sua Epístola e em várias outras passagens do Novo Testamento. Há referências a essas comunicações.

Ora, assim sendo, as igrejas eram simples. Não tinham nada do que caracterizava as outras igrejas. Mas o cristianismo foi propagando, foi aumentando, foi conseguindo mais adeptos. Os adeptos traziam pra dentro da igreja os seus resíduos de outras religiões, os seus costumes e queriam que ali também se fizesse alguma coisa semelhante àquilo que se passava nas outras religiões.

A partir do final do quarto século, já começavam a ser introduzidos os altares nas igrejas cristãs. Depois, passou-se a estabelecer a cerimônia do culto, já não era mais um minuto simples de prece, de oração, de cânticos e de comunicações mediúnicas. Já começaram a se criar as complicações rituais. Ao mesmo tempo, assim como os sacerdotes das religiões pagãs vestiam-se de púrpura, de ouro e apresentavam-se de maneira grandiosa diante dos seus adeptos. Então perguntavam os cristãos: por quê? Eles que estão representando deuses falsos se apresentam dessa maneira. E nós, que estamos representando o Deus verdadeiro, não nos revestimos de nada? E começaram a se revestir também. Então as vestimentas dos prelados, daqueles que deviam dirigir o culto, começaram a ser copiadas das religiões pagãs. E há mesmo estudos muito curiosos a respeito disto, mostrando pormenores bastante interessantes. A tonsura do padre, a coroa do padre católico, ela representa o Sol. Representa o Sol, por quê? Influência da religião de Mitra, o deus solar e que dominava grande parte do império. Esta religião baseava-se na adoração ao Sol. Os sacerdotes de Mitra traziam a coroa na cabeça, que era para mostrar que eles eram adoradores do Sol. Eles tinham o disco solar na cabeça, até isso foi adotado. As vestimentas mesmo, por exemplo, a batina também, a batina preta que era típica de uma religião oriental usada em Roma, também foi adotada. E assim, uma porção não só de rituais, como de vestimentas sacerdotais, aparatos do altar, tudo isto foi copiado das religiões pagãs.

O processo foi se desenvolvendo. Havia um interesse muito grande, por exemplo, de converter uma cidade, converter uma cidade ao cristianismo. Mas para converter essa cidade, era preciso usar certa estratégia, era preciso ter tática. Então se fazia o seguinte. Um exemplo muito curioso é o exemplo da catedral de Notre Dame, em Paris. A catedral de Notre Dame era uma igreja modesta, pequena, dedicada a uma deusa mitológica. E ali o povo acorria, fazer suas preces. Havia procissões, as procissões eram muito comuns nas religiões mitológicas. Faziam-se todos os rituais ali, naquela igrejinha. Pois bem, quando os cristãos conseguiram um grande número de adeptos em Paris, eles tomaram conta desta igreja e a transformaram em Igreja de Nossa Senhora. Quer dizer, eles conservavam sempre uma atitude correspondente àquela, por exemplo, era a igreja de uma deusa, então puseram Nossa Senhora no lugar da deusa.

Quando era a igreja de um deus, punha-se Jesus no lugar, porque era um deus cristão que vinha substituir o deus pagão. Até hoje na catedral de Notre Dame existem, no seu subterrâneo, as ruínas da igreja primitiva que foi transformada em igreja cristã. Mas para fazer esta substituição, eles precisavam também adotar rituais mais ou menos semelhantes, para poder manter o povo vindo para ali, afluência de povo, a substituição tinha essa finalidade. Isto tudo é que foi transformando o cristianismo, praticamente, numa religião mitológica também. No fim entraram as imagens. As imagens são geralmente adaptações das imagens pagãs. Há imagens bem típicas, por exemplo: a deusa Ceres era apresentada nas igrejas pagãs como uma deusa que tinha sob os pés um globo, um grande globo. E por que esse globo? Porque ela era a deusa da fecundidade, a deusa que produzia os cereais, as safras, a produção da Terra. E o manto azul, representando o céu, porque ela vinha do céu. Essa imagem de Ceres foi logo adaptada pelo cristianismo e transformada em imagem de Nossa Senhora. E assim a imagem do deus Apolo foi transformada em imagem... [...] A gravação é interrompida nesse ponto.

 

 Tiptologia. Do gr. typto, golpe e logos, discurso. Comunicação através de pancadas ou batidas sobre um material rígido, como a madeira, por exemplo.

O Discurso do Método, também conhecido como O Discurso Sobre o Método, é uma obra escrita pelo filósofo francês René Descartes (1596-1650), publicado pela primeira vez em 1637.

Espírito de sistema. Sobre isso, escreve Herculano: “...não interessava a Kardec formular um sistema filosófico no estilo clássico, aliás, já superado inteiramente hoje em dia, quando se compreende que a verdade não pode ser encerrada na melhor das sistematizações humanas.
Os que não veem filosofia no Espiritismo e não reconhecem a Kardec uma posição filosófica, em virtude de questões puramente formais e, portanto, convencionais, deviam lembrar-se de que Jesus também não formulou um sistema filosófico, ao gosto da época, e que o verdadeiro pai da filosofia grega, Sócrates, também não se interessou por isso. Ernst Casirer, em sua Antropologia Filosófica, acentuando a inconveniência dos sistemas clássicos, declara: ‘Cada teoria se converte num leito de Procusto, em que os fatos empíricos são obrigados a se acomodar a um padrão preconcebido’. Como se vê, a opinião de Kardec, sobre os inconvenientes do ‘espírito de sistema’, é referendada por um dos maiores pensadores atuais.
Herculano então explica: “Na mitologia grega há um mito que se chama Leito de Procusto, que relata o seguinte: ‘Procusto era um bandido que vivia em uma floresta e ele tinha uma imensa cama. Todos os que passavam pela floresta eram presos e colocados por ele em sua cama. Dos que eram muito grandes, Procusto cortava os pés e dos que eram muito pequenos, Procusto os esticava.’ A tamanho da cama era o padrão utilizado por Procusto." (Texto completo no livro O Mistério do Bem e do Mal, de Herculano Pires, Ed. Correio Fraterno)

A primeira edição de O Livro dos Espíritos foi lançada em 18 de abril de 1857 e continha 501 questões. A segunda edição sairia somente em 1860, com 1018 questões e assim ele continua sendo publicado, até hoje.

Parábola do Fermento. Ver Mateus 13:33 e Lucas 13:20-21

Cerimônia religiosa em que o bispo dá um corte no cabelo do ordinando ao conferir-lhe o primeiro grau de Ordem no clero, chamado também de "prima tonsura". Desde o século IV, tornou-se costume entre o clero cortar os cabelos. (Wikipédia)

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