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A princípio, era uma reunião familiar de estudos e mediunidade, que ocorria semanalmente na casa de Virgínia e Herculano Pires. Com o tempo, chegaram os amigos e se juntaram ao grupo.

Quando a família se mudou para a residência da Rua Doutor Bacelar, o imóvel contava com uma garagem que não era utilizada. Conforme o trabalho de Herculano se tornava mais conhecido, aumentava o número de pessoas que vinham procurá-lo, em busca de orientação espírita. Para melhor atender a essa demanda e, ao mesmo tempo, constituir um novo espaço de divulgação espírita, em 1972, o casal deu início às Palestras na Garagem, que eram semanais e dirigidas por Herculano.

Muitas delas foram carinhosamente registradas em fitas cassete pela tia Lourdes (Lourdes Anhaia Ferraz) e pelo Sr. Miguel Grisolia. Agora você pode ler as transcrições dessas gravações, fruto de um trabalho detalhado e paciente de Antonio Leite, da equipe de colaboradores da Fundação. 

SOBRE A QUALIDADE DOS ÁUDIOS: As gravações originais apresentam níveis de qualidade variáveis. Alguns trechos estão quase completamente corrompidos. A linguagem coloquial está mantida nas transcrições. A numeração não segue a ordem cronológica, mas a criação de um índice das mesmas.

 

 

Palestra 2: O Caráter Progressivo da Codificação Espírita

 

Bom, nós vamos continuar um pouquinho ainda naquele problema do estudo da Doutrina. Eu acho muito necessário nós virmos esclarecendo, porque há vários aspectos que nós precisamos nos familiarizar com eles.

Um deles é a natureza progressiva da Codificação. A primeira coisa, que nós precisamos compreender a respeito, é que o Espiritismo não veio assim de um jato, não foi dado como uma espécie de uma revelação divina, que é simplesmente feita por um profeta ou por um messias. O Espiritismo nasceu progressivamente através das manifestações mediúnicas, estudadas e controladas por Kardec. É aquilo que Kardec chama uma “conjugação da revelação divina com a revelação humana”. Ou seja, o trabalho dos espíritos, trazendo informações sobre aquilo que nós não conhecemos aqui na Terra. A vida dos espíritos, a maneira por que eles se comunicam, a maneira por que eles trabalham o nosso mundo, por que eles nos auxiliam e por que aqueles espíritos inferiores podem também nos prejudicar.

Então esta revelação é feita aos poucos, os espíritos vão naturalmente manifestando-se através de fenômenos vários e dando informações na proporção em que Kardec vai fazendo perguntas, Kardec vai se interessando pelo assunto. Este tipo de revelação só poderia surgir, como diz Kardec, no momento em que a humanidade houvesse superado aquela fase de – podemos dizer assim no plano pedagógico – de simples didatismo em que os espíritos reveladores encarnavam-se na Terra na forma de um profeta ou de um mestre espiritual, e ensinavam simplesmente as verdades fundamentais. Essa fase tinha de ser superada pelo desenvolvimento da inteligência humana, da capacidade cultural do homem e da cultura humana em geral. Quando nós falamos de desenvolvimento da inteligência humana, muita gente pergunta: “Mas, já antes de Jesus não houve certos povos, como, por exemplo, os gregos na Antiguidade, que revelaram um grande desenvolvimento intelectual?” Sim, mas foram povos que nós podemos chamar de balizas no processo da evolução. Povos que lideravam a evolução, que vinham auxiliar a evolução intelectual. Povos que na verdade não pertenciam àquilo que nós chamamos a “humanidade terrena”, povos que vieram de outros mundos no processo de migração espiritual.

Nós sabemos e já vimos aqui, quando tratamos da escala dos mundos 1, que na proporção em que um mundo, como a Terra, por exemplo, vai passar de um grau para outro no seu processo evolutivo, da mesma maneira que um ser humano passa da infância para a adolescência, da adolescência para a mocidade, da mocidade para a madureza. Quando vai passar num nível deste, o mundo vai passar para um plano mais elevado, então acontece o seguinte: nem toda a população desse mundo acompanha... pode acompanhar essa evolução, nem toda ela está apta a avançar de acordo com a evolução necessária daquele mundo. Os elementos que não estão aptos serão afastados deste mundo, serão removidos para outro mundo. Não é um castigo, não é uma consequência negativa, é apenas, o eu que eu costumo chamar, uma providência administrativa. Quer dizer, aqueles espíritos não atingiram o grau de evolução necessário para acompanhar a evolução do mundo em que estão. Como o mundo tem de se elevar e há uma grande quantidade de elementos da população que estão em condições, que já amadureceram suficientemente para este salto no futuro, então é justo que se sacrifique aqueles que avançaram em benefício dos outros que não avançaram? E não se pode deixar os dois juntos, porque um impedirá o avanço do outro. Quer dizer, um passará a falar numa linguagem que o outro não entende. Há uma defasagem cultural que se torna difícil.

Então nesses momentos acontece o seguinte: Aquela população que tem de ser removida para outro mundo, vai para um mundo onde essa população vai (por assim dizer) reiniciar o seu aprendizado. Mas nesse mundo para o qual ela é removida, essa população vai levar também uma contribuição, porque já é mais elevada do que aquela população que lá está. Então ela vai levar pra lá uma contribuição para auxiliar a evolução daquele mundo.

Suponhamos o seguinte. Numa escola os alunos de uma 3ª série, por exemplo, de um curso qualquer. Nos exames, não conseguiram passar todos. Uma parte que sobrou não vai passar para a 4ª série, vai continuar na 3ª série. Então, esta parte vai se reunir com os alunos que vêm da 2ª série. Ora, os alunos que vêm da 2ª série não tem a mesma experiência que já têm aqueles que não passaram nos exames. Eles não passaram, não conseguiram subir, mas eles já têm uma experiência maior, porque eles já fizeram a 3ª série durante um ano, mas eles se juntam, se reúnem na mesma classe. Então, aqueles que já fizeram o 3º ano, mas não conseguiram passar, têm mais experiência e, às vezes, mais conhecimentos, mesmo, do que os que vieram da 2ª. E poderão auxiliar aqueles. Acontece isso na passagem do mundo. Não sei se ficou bem explicado isto.

Ora, sendo assim, nós podemos considerar os gregos, os egípcios antigos... Quer dizer, nem os gregos, nem os egípcios antigos existem mais. Os gregos de hoje são outros, os egípcios são outros, os egípcios de hoje são árabes, não são mais egípcios, e os romanos antigos... Todos eles constituíram civilizações que vieram para a Terra como resíduos de civilizações de outros mundos que evoluíram e trouxeram aqui a sua contribuição. A contribuição que eles deram auxiliou, em grande parte, a evolução da Humanidade. Mas essa evolução tinha de prosseguir, como prosseguiu, juntando outras muitas populações, que estavam afastadas da elevação cultural em que se encontravam, por exemplo, gregos e romanos e, principalmente, os gregos.

Nós vemos, por exemplo, na História, a queda do Império Romano, como uma espécie de processo muito importante de difusão da cultura. Por quê? Porque os romanos, primeiro, procuraram difundir a sua cultura, não com a intenção de difundi-la, mas com a intenção de dominar o mundo, conquistando outros países. Mas eles não conseguiam, com isso, levar realmente a sua cultura à profundidade necessária e expandir até regiões mais distantes. Então, houve a invasão bárbara, quer dizer, os bárbaros vieram (por assim dizer) impulsionados por um processo histórico, eles vieram beber a cultura romana na própria Roma. Ao dominarem Roma, aconteceu pra eles o que aconteceu com os romanos quando dominaram a Grécia. Eles dominaram a Grécia, mas foram vencidos pela cultura grega que era superior à deles. Com isto os romanos também deram um impulso pra frente, no campo cultural. Assim aconteceu com os bárbaros. Nós podemos ver na História, que a vinda deles para Roma beneficiou-os tremendamente. Eles destruíram o império, praticamente. Aparentemente destruíram toda a cultura romana, mas depois, eles mesmos começaram a reconstruir. E quando nós chegamos ao Renascimento, nós vemos que a cultura grega, a cultura clássica greco-romana, ressurgiu de novo. E ressurgiu dando nova forma às estruturas de nações, de organizações sociais de povos novos que iam surgindo. E construindo um mundo novo, preparando naturalmente o mundo moderno, do qual nasceria o nosso mundo, o mundo contemporâneo em que nós estamos.

Então vemos essa sequência do desenvolvimento cultural num processo histórico que envolve os povos de um planeta, as várias nações, e que vai dando um resultado magnífico na proporção em que o tempo passa. Aquilo que parecia, às vezes, um mau, por exemplo, a queda do Império Romano... Qualquer romano ilustre, qualquer romano de grande inteligência que assistiu àquela queda, ele sofreu tremendamente. Pra ele, estava desmoronando o mundo. "Acabou! Acabou a civilização, acabou a cultura, agora virou tudo barbárie de novo!" "Vamos cair todos na barbárie, somos todos bárbaros!" No entanto, não foi assim. Quer dizer, a cultura que ali estava acumulada no Império, nas suas obras, inclusive nos seus monumentos, em todas as obras dos gregos, obras artísticas, monumentos, obras escritas, tudo isso, essa cultura, ficou como aquilo que nós chamamos aqui no Brasil de fogo de coivara2. Põe-se esse fogo num campo, o fogo destrói tudo, mas ficam uns certos buracos na terra, onde tem brasas ocultas debaixo das cinzas. De repente assopra um vento e aquele fogo renasce. Então foi o que aconteceu com a cultura grega, cultura greco-romana. Ela foi queimada, destruída pelos povos bárbaros, mas ficaram os elementos necessários para se reacender depois, ela surgiu de novo. Então é neste sentido e desta forma que acontece o desenvolvimento humano, como nós sabemos.

Assim foi no campo da religião. As religiões foram se desenvolvendo através desse processo das revelações divinas de tipo messiânico, as grandes revelações. Moisés, antes de Moisés nós tivemos as revelações do passado, as revelações dos indianos com Viasa; no Egito, Hermes, de Trimegisto; tivemos Zoroastro, na Pérsia. E assim os vários grandes reveladores do mundo, na Babilônia, em todas as partes do mundo, surgiram os grandes profetas, os grandes Messias que traziam revelações fundamentais. Hoje, quando nós vamos estudar estas revelações fundamentais, nós vemos que existe uma unidade entre elas, uma unidade fundamental, elas são fundamentais justamente por isto. Todas as grandes religiões do mundo concordam nos seus princípios fundamentais. Há diferenças, naturalmente, referentes a tradições, a costumes, a posições do desenvolvimento cultural dos diversos povos, mas no fundo, todas as grandes religiões mostram uma unidade fundamental e indiscutível. E se não fosse assim elas seriam falsas, porque a realidade é uma só. Então elas têm de coincidir nos princípios básicos. Ora, superada essa fase, quando se desenvolveu a cultura humana e, não apenas, a cultura espiritual trazida do espaço através desses elementos, trazida do mundo espiritual, mas a cultura humana, mesmo no seu desenvolvimento, atingiu um ponto em que ela podia nos oferecer condições de nós estudarmos e resolvermos os nossos problemas como criaturas humanas. Nesse momento, é que se tornou possível o advento do Espiritismo.

Então, nós entendemos aquela promessa de Jesus que está lá no Evangelho de João. “Eu vos enviarei o Espírito da Verdade. O Espírito da Verdade virá completar o que eu vos disse, porque muitas coisas eu tenho pra vos dizer, mas não posso dizer agora porque não entenderíeis.” Compreendemos isto bem, o Espiritismo só pôde aparecer naquele momento em que o homem se tornou capaz de compreender principalmente uma coisa que hoje nos parece insignificante, mas que não é. Nos parece a nós, que estamos dentro do Espiritismo, aquilo que nós chamamos o ato mediúnico. O ato mediúnico é aquele ato pelo qual um espírito se apossa de um ser humano para lhe servir de instrumento de comunicação, para ele transmitir uma comunicação, para ele dar uma mensagem, ou para ele manifestar os seus sentimentos de maneira, às vezes, até inferior, quando se trata de um espírito inferior. Mas existe o ato mediúnico, que é este ato de ligação do espírito com uma criatura humana. Este ato não era entendido, não podia ser entendido. Para ser entendido, este ato, era preciso que o homem mudasse a sua mentalidade. As religiões todas do passado consideraram este ato como um fenômeno puramente sobrenatural, não tinha nada que ver com as leis da Natureza. O Espiritismo teria de mostrar que esse fenômeno é natural. Os espíritos eram considerados como criaturas afastadas da Natureza e não submetidas às leis naturais; eles eram submetidos às leis do seu próprio mundo espiritual. Este mundo espiritual era também considerado como inteiramente separado do mundo terreno. Ora, a realidade não é essa! A realidade tinha de ser descoberta pelo homem, mas era preciso que o homem chegasse à maturação intelectual necessária para isso.

Quando nós vemos o milênio da Idade Média, um milênio em que os homens ficaram apegados a um tipo de cristianismo trágico, um tipo de cristianismo profundamente místico e cheio de elementos verdadeiramente trágicos, lembrando as influências da tragédia grega e as influências da escatologia judaica. O judaísmo, com o seu Apocalipse, a sua insistência em problemas do fim do mundo, da liquidação do mundo, essa coisa toda, influindo no cristianismo. Doutro lado, o trágico herdado da cultura grega. Tudo isso influiu, na Idade Média, para que ela realmente nos apresentasse um cristianismo que é um cristianismo trágico, o "cristianismo do crucifixo". Muita gente nos acha muito hereges, porque nós, no Espiritismo, não queremos adotar o crucifixo como o símbolo do cristianismo. Consideramos como o símbolo do cristianismo medieval. Por quê? Porque, para nós, o símbolo verdadeiro do cristianismo não é o crucifixo, não é Jesus pregado na cruz. É a Ressureição, é o momento em que Jesus ressuscita. Este é o verdadeiro símbolo do cristianismo, porque o cristianismo não tem por finalidade nos levar à morte, mas à ressureição. Então, o símbolo de Jesus pregado na cruz é (por assim dizer) um resultado de um traumatismo que ficou no espírito humano, com o fato de se haver cometido um deicídio, a morte de um deus. De se haver crucificado um deus. Então, houve um traumatismo no espírito humano que se transformou na adoração daquele momento preciso em que se cometeu esse crime, quer dizer, o crime ficou sendo repetido na consciência humana.

Ora, isso tinha de ser afastado, mas só poderia ser racionalmente. E, durante a Idade Média toda, nós vemos um processo de desenvolvimento da razão. O homem está saindo da emoção, da pura afetividade, da interpretação emocional da vida e do mundo, e passando para o campo da razão. Por exemplo, há um momento em que aparece na história aquele famoso, famoso filósofo medieval que foi Abelardo 3 . Abelardo um sacerdote, todo mundo se lembra dele por causa da história Abelardo e Heloísa. Ora, Abelardo foi praticamente um antecessor de Descartes 4, e Descartes como nós sabemos foi o filósofo da razão. Então Abelardo preparou, durante a Idade Média, o caminho de Descartes. Muito curioso, esse processo que mostra a sequência das coisas. Diz O Livro dos Espíritos, “tudo se encadeia no Universo”, tudo, e nós vemos que, na História, esse encadeamento é bastante preciso.

Abelardo escreveu um livro que ficou famoso chamado Sic et Non. “Sim e Não”. Neste livro, ele fazia uma crítica tremenda da posição dos grandes padres da Igreja. Uns diziam “sim” em coisas que outros diziam “não”. Então, ele perguntava: onde estaria a verdade? O estudo deste livro levou Abelardo a sofrer muito, porque ele foi submetido a processos canônicos, submetido a julgamento da Igreja, essa coisa toda. Mas esse livro foi um livro de importância fundamental, porque preparou o desenvolvimento da razão. E durante toda a Idade Média – toda não, do meio da Idade Média para o fim – nós encontramos uma sequência de debates profundos em termos dos problemas da religião. Havia numerosas discordâncias. Muita gente encara a Idade Média como uma idade monolítica, uma idade em que a ideia dos homens era toda a mesma, estava todo mundo centralizado dentro do cristianismo daquele tipo medieval. Mas não é verdade. Quando nós vamos estudar mais profundamente, nós vemos a enormidade de divergências que surgiram ali. Mas a mais importante de todas foi a de Abelardo, porque Abelardo rasgou o manto do dogmatismo e despertou o problema da razão, impôs o problema da razão. Ele pagou muito caro. Abelardo pagou muito caro essa audácia. Mas, assim mesmo, a contribuição dele foi espantosa, foi maravilhosa.

Logo no Renascimento, surge Descartes. E Descartes era precisamente aquele para quem Abelardo havia preparado o caminho. E é curioso notar que Descartes, como já eu disse aqui, certa vez, ele se apresenta como uma espécie de médium do Espírito da Verdade. Descartes dizia que ele era inspirado pelo Espírito da Verdade. Ele teve três sonhos, três sonhos que determinaram toda a sua orientação filosófica. Esses sonhos, diz ele, lhe foram dados pelo Espírito da Verdade. O Espírito da Verdade despertava nele a necessidade de modificar completamente a ciência, a cultura do tempo e preparar uma nova cultura.

Ora, nós sabemos que Descartes foi aluno dos jesuítas, no colégio de La Flèche, na França. A formação dele foi jesuítica. Mas quando saiu do colégio (o importante em Descartes é isso), ele começou a dizer assim: “Tá muito bem, todo mundo ensinou isto, aquilo, mais aquilo, mais aquilo e eu aprendi. Mas estes professores que me ensinaram isso, aprenderam isso de outros. Os outros aprenderam de outros e assim por diante. E quem disse que isso é verdade?” Aí, veja o salto no campo da razão. “Quem disse que isso é verdade? Eu tenho de verificar se isso é verdade. Eu vou verificar.” E ele então começou a verificar e produziu a grande revolução filosófica que realmente o pôs na posição de pai de toda a cultura moderna. Ele revolucionou o mundo, transformou-o, enfrentou, inclusive, o problema perigosíssimo do poder da Igreja no tempo. Mas conseguiu realmente abrir um caminho novo para o pensamento.

Ora, ele é praticamente um precursor do Espiritismo, não só pela sua relação com o Espírito da Verdade, como também pela sua colocação do problema da alma e do corpo. Então diz ele: “Na verdade eu não posso saber se eu existo, se eu me ativer apenas ao meu condicionamento sensorial, aos órgãos de percepção do meu corpo. Por exemplo, eu vejo pelos olhos, eu ouço pelos ouvidos, eu percebo pelo tato, eu gosto pela língua, pelo elemento gustativo. Tudo isto são sensações do meu corpo. Mas são reais essas sensações?” Ele diz: “Eu olho na Lua, a Lua está nascendo no horizonte. Ela é enorme, depois, ela caminha pelo céu, ela vai diminuindo, ficando pequena. No entanto, a Lua é sempre do mesmo tamanho. Os meus sentidos me enganam. Eu vou indo por uma estrada a cavalo, ou numa caleche, ou coisa semelhante, e dou uma volta na estrada em torno de uma cidade e vejo as duas torres da igreja virarem uma em redor da outra. É mentira, elas não estão virando! É uma sensação mentirosa que eu tenho.” E assim, ele analisa várias sensações e diz: “As sensações nos enganam, os sentidos nos enganam. Então, como eu posso saber que realmente eu existo?” Você vê que ele partiu do problema fundamental: Como eu posso saber que eu existo? E ele chegou à conclusão de que ele só existia pelo pensamento. Aí, ele chega àquela conclusão conhecida: “Penso, logo existo”. Se eu penso eu existo, o meu pensamento me dá prova da minha existência. Quer dizer então, ele chegando a este ponto, ele disse assim: “nós temos corpo e temos alma, isso está certo, isso é verdade, nós temos corpo e temos alma. Mas é preciso não confundir a alma com o corpo.” O nosso problema fundamental é este, é não fazer a confusão entre alma e corpo. Os homens confundem isso tremendamente até hoje, apesar de toda a lição cartesiana, vieram confundindo.

Ora, então, neste ponto também Descartes era um precursor do Espiritismo. No tocante aos seus sonhos, seus sonhos foram sonhos proféticos. Sonhos que prepararam inclusive o seu avanço no caminho da Filosofia, prepararam o seu trabalho, indicaram a ele os rumos a seguir. São sonhos não só proféticos, como sonhos orientadores. De fato, o Espírito da Verdade o orientou, através desses sonhos. A sua ligação com o Espírito da Verdade se confirma através desses sonhos. Os sonhos que lhe deram a necessidade de escrever O Discurso do Método, as Meditações, e avançar no campo da investigação filosófica para renovar a cultura do mundo, que ele de fato renovou.

Assim, no Espiritismo, nós vamos encontrar o complemento desta posição de Descartes. Quando Kardec se defronta com os fenômenos espíritas, ele vê que ele está diante de um momento novo na história do pensamento humano. É um momento em que nós temos a possibilidade de estabelecer uma ligação entre dois mundos, que até então estavam separados, não obstante um influenciar o outro continuamente. Separados pelo quê? Pela ignorância do homem. Porque os espíritos sempre atuaram, sempre agiram, sempre se serviram de médiuns, sempre se manifestaram.

Mas os homens, ou consideravam os espíritos como anjos, ou como demônios. Se o espírito era mau, era um satanás ou era um assessor de satanás que ali estava. Se o espírito era bom, era um anjo, era um enviado de Deus que ali vinha, ou era um santo que se manifestava, uma entidade espiritual santificada pela Igreja. Ora, então não havia a possibilidade de um contato real entre os dois mundos, porque os espíritos eram simplesmente repelidos como satânicos ou eram adorados como anjos, santos, entidades divinas, quando o necessário era a relação humana entre os dois planos, porque os espíritos são criaturas humanas como nós. E muitos deles têm muita necessidade de colaborar conosco em nossos trabalhos, nos auxiliar, nos dar a sua contribuição. E ao mesmo tempo precisam da nossa ajuda aqui na Terra para que também esta comunicação entre os dois mundos vá se ampliando, porque quanto mais se ampliar essa comunicação, mais fácil se tornará o auxílio de um lado ao outro. E a possibilidade de afastamento das entidades perturbadoras, dos elementos que realmente se ligam a entidades humanas de maneira negativa. Tudo isto, de maneira racional, só poderia ser feito dentro do Espiritismo. Por quê? Porque o Espiritismo teria de eliminar esses resíduos mágicos do passado que determinavam a posição misteriosa das religiões em face destes problemas.

E isso o Espiritismo fez, mas fez lentamente. Começando, por exemplo, com a observação de Kardec dos fenômenos, o estudo de Kardec sobre os fenômenos, a pesquisa que Kardec realizou intensivamente. E, junto com ele, aqueles que foram se agregando a ele para o trabalho, para a pesquisa. Depois, a pesquisa dos cientistas que Kardec provocou, porque foi o trabalho de Kardec que despertou os cientistas para o problema. Então, o aparecimento das várias ciências que foram surgindo pra tratar dos fenômenos misteriosos, os fenômenos que hoje chamamos de paranormais. Tudo isto foi progressivamente se verificando. Então quando Kardec escreveu O Livro dos Espíritos (e escreveu como sabemos através de um trabalho perfeitamente conjugado), Kardec fazia perguntas, os espíritos respondiam. Kardec analisava as perguntas, discutia com os espíritos. Coisas que ele não aceitava, os espíritos demonstravam que existiam ou mandavam ele pesquisar. "Para isso existe a pesquisa, você não gosta de pesquisa? Vá pesquisar e ver se nós estamos falando a verdade ou não." Quer dizer, Kardec ia tirar a verdade do que o Espiritismo ensinava através da pesquisa, ele ia atingir a verdade através da pesquisa. Assim nós vemos que foi um trabalho conjugado e intensivo entre Kardec, seus colaboradores na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas e os espíritos. De um lado, os homens e, de outro lado, os espíritos. Isto foi o que levou Sir Oliver Lodge 5, o grande químico e físico inglês, a dizer o seguinte: que o Espiritismo é uma espécie de túnel que está sendo construído entre dois países. Diz ele: existe uma planície em que nós temos um país, depois uma cadeia de montanhas e, do lado de lá, existe um outro país. Aqui é o país dos homens, do lado de lá é o país dos espíritos. Para ligá-los, nós temos de fazer um túnel, e diz esse túnel foi o Espiritismo que começou a fazer, começou a furar do lado de cá. Mas os espíritos começaram a furar do lado de lá. É como dizer: “no momento em que as duas equipes se encontrarem a ligação estará completa”. É uma imagem muito interessante do que se passa no campo da revelação espírita.

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As revelações pessoais e locais de que nós já falamos aqui, feitas pelos grandes messias e profetas do passado, elas decorriam de uma necessidade de didatismo, de ensino de tipo primário, o indivíduo ensinando e os outros aceitando e obedecendo, e aprendendo. Mas quando chegou a época de Kardec, na época do Espiritismo, a coisa mudou. Nós passamos ao ensino de tipo universitário. O professor colaborando com os alunos, os alunos com o professor, a pesquisa realizada por uns e por outros. Quer dizer, a busca da verdade sendo feita numa conjugação de homens e espíritos. Então, os dois mundos se encontraram nesse momento, se fundiram, e o conhecimento foi surgindo da experiência e da pesquisa. Então diz Kardec: "Daqui por diante não pode haver, não há outra revelação, porque esta revelação, a revelação espírita, descobriu para nós qual é a fonte da revelação, qual é a origem da revelação e qual é o mecanismo da revelação. Mostrou que a revelação não é nada mais do que o seguinte – um indivíduo que sabe, ensinando aqueles que não sabem. Mas que este processo se passa de maneira natural entre as criaturas humanas desde que o mundo existe."

Quer dizer, em cada cultura, em cada processo de educação, nós temos um professor como revelador e os alunos, como aqueles que recebem a revelação. Quando o Espiritismo pode provar que era isto, a revelação, ele colocou a mediunidade, que é o instrumento da revelação, a serviço normal do homem. Então agora não precisamos que venha nenhum grande profeta, nenhum grande messias dizer “eu venho vos anunciar a verdade”. A verdade está aí fluindo, através da revelação mediúnica. Médiuns em todas as partes do mundo recebem os espíritos, transmitem comunicações, podem ser interpelados e respondem. Os espíritos respondem através deles. E os esclarecimentos vêm vindo continuamente.

Por isso é que nós, sempre que surgir no movimento espírita (como surge em qualquer movimento no mundo, porque o homem ainda está, nesta fase, muito apegado às raízes do passado), surgem indivíduos que dizem “temos agora uma nova revelação, dentro do Espiritismo!” Surge uma revelação nova. Nós todos sabemos que é uma mistificação, porque já passou a era dos messias, dos grandes profetas. A era agora é uma era de trabalho comum. Os homens, todos se unindo e, através da mediunidade, se ligando com os espíritos e recebendo os ensinos que vem de lá. As revelações, portanto, vão fluindo naturalmente através do processo geral da revelação que foi descoberto.

Então é impossível, como diz Kardec, o aparecimento de um novo tipo de revelação, daqueles tipos antigos de revelação, porque aquele não cabe mais no nosso tempo. Há, por exemplo, um homem que foi criado pela Sociedade Teosófica, chama-se Krishnamurti 6, parece que muita gente já o conhece. Agora mesmo a “Revista Planeta” publicou uma edição inteirinha dedicada a ele. “Krishnamurti”: é por causa do deus Krishna, o deus indiano Krishna, que deram a ele esse nome. Bom, Krishnamurti cresceu na casta dos brâmanes, uma das castas exponenciais, a casta principal da Índia, a mais elevada. E aí desenvolveu a sua... foi desenvolvendo inicialmente a sua cultura, a sua inteligência, revelou logo grande inteligência e a Sociedade Teosófica descobriu esse menino – ele era um menino ainda! E Annie Besant 7, que era, na ocasião, presidente da Sociedade Teosófica, teve uma revelação, segundo ela disse, de que esse menino seria o novo instrutor do mundo. Vejam bem, um novo instrutor do mundo! Quer dizer, já estamos no plano das revelações antigas. Vem um instrutor do mundo, vem um outro “cristo” aí, de acordo com a teoria indiana, porque a Teosofia se baseia nas doutrinas indianas. A teoria indiana de que o Buda, o Cristo, que para ele são figuras semelhantes, ele se manifesta na Terra de tempos em tempos, de acordo com a necessidade da evolução humana, vindo numa encarnação especial para fazer uma nova revelação. Para o Espiritismo, essa fase está superada, mas para eles não. Então Krishnamurti seria o novo instrutor do mundo.

Annie Besant pediu aos pais de Krishnamurti que lhe confiassem o menino – aliás, ele e um irmão que morreu cedo, não continuou. Krishnamurti apenas é o que ficou. Os dois eram muito inteligentes, muito humildes, mas Krishnamurti era um instrutor. Ele foi criado dentro da Sociedade Teosófica, recebendo lições dos teósofos, aprendeu bem teosofia e, depois, foi enviado para a Inglaterra, onde fez cursos superiores, desenvolveu bem a sua inteligência. E então fundaram, quando ele tinha dezoito anos, os teósofos fundaram uma coisa chamada a Ordem da Estrela. A Ordem da Estrela seria uma ordem para ajudar o instrutor do mundo, Krishnamurti a instruir o mundo inteiro. Então, essa Ordem da Estrela ia ajudar o instrutor do mundo. Mas Krishnamurti passou por várias experiências, inclusive perdeu o irmão, o irmão morreu cedo. Ele tinha grande ligação com esse irmão, grande afinidade. Ele sofreu muito com isso. E de repente, esse menino mudou de ideia! Não aceitou mais os ensinamentos dos teósofos e promoveu uma reunião da chamada Ordem da Estrela. E disse para todos eles lá, todos os elementos da Ordem da Estrela: “Vocês todos me consideram um mestre, um instrutor do mundo. Vocês todos estão querendo me seguir, mas eu não quero que ninguém me siga, eu não sou mestre de ninguém, eu não quero ser mestre de coisa alguma, eu quero ser apenas um companheiro daqueles que quiserem buscar a verdade”. E rompeu com a Ordem da Estrela, acabou com a Ordem da Estrela. Quer dizer, então ele ficou sendo assim um indivíduo solitário, não pertencia mais à Sociedade Teosófica, rompeu com tudo aquilo e continuou a fazer as suas conferências.

Conferências muito interessantes em que ele expõe as suas ideias, às vezes muito elevadas e muito bonitas, às vezes um tanto contraditórias e de difícil de comunicação, mas revelando ser realmente uma entidade espiritual elevada. Entretanto, diante da divulgação das suas mensagens, hoje ele está com cerca de setenta anos, setenta anos de trabalho profundo, pregando, ensinando por toda parte. Amparado por grandes figuras de pessoas ricas que deram a ele palácios e coisas pra ele pregar, não pra ele usar pra si próprio, porque ele não tem interesse nenhum nisso, mas para ele fazer suas pregações, dar as suas lições. Mas de tudo isso, o que resultou para o mundo? Resultou que existe uma coisa chamada “Sociedade Cultural Krishnamurti”. Essa sociedade existe em todas as partes do mundo. Os seguidores de Krishnamurti fundaram essa sociedade para estudar os seus livros. Estudam os seus livros que, na verdade, não são livros, ele não escreve livros. Só escreveu um livrinho no começo. O resto são palestras que ele faz e gravam, escrevem e publicam. Então, estudam o pensamento de Krishnamurti e esse pensamento de Krishnamurti se tornou, na verdade, incomunicável para a maioria das pessoas. Porque ele fala numa maneira tão sutil, ele coloca os problemas de maneira, às vezes tão vaga, tão imprecisa, que para ele devem ser certas, a maneira deve ser certa, exata, mas para os que ouvem não são. E a maioria do povo, a maioria das criaturas não consegue entender.

No Espiritismo, nós temos muitas pessoas que disseram: “olha eu descobri agora Krishnamurti, a revelação dele”. E ele não disse que é revelação, ele mesmo não disse, mas essa turma diz: “a revelação dele”. “Então eu não vou mais seguir o Espiritismo, vou ficar com Krishnamurti, porque ele é muito mais amplo, muito mais amplo.” E começam a estudar Krishnamurti.

Nós tivemos já vários casos conosco, de indivíduos que chegam aqui e que vieram, até conhecidos nossos, de famílias amigas, que precisam ser trazidos pra cá pra ir pondo os pés no chão através do Espiritismo, porque estão lá na Lua [riso] com o negócio do pensamento de Krishnamurti que não conseguem apreender, porque é difícil mesmo. Então quer dizer, esse novo profeta, esse novo messias que seria, segundo a Sociedade Teosófica, um “novo cristo”, que vinha trazer uma nova situação para a Terra, uma nova revelação, ele mesmo acabou se declarando que ele não é nada disso e que ele não tinha essa intenção.

Quer dizer, não há mais necessidade disso, a posição espírita é a posição do desenvolvimento das pesquisas, do trabalho, da compreensão através da experimentação mediúnica, do trabalho mediúnico e do estudo da Doutrina que está codificada nos livros de Allan Kardec. Como diz Kardec, esses livros não são absolutos, não pretendem ser nenhuma bíblia. São livros que colocam problemas e problemas que têm de ser desenvolvidos daqui por diante. Mas desenvolvidos no plano cultural, no plano do estudo, não no plano de chamar um espírito para vir explicar, como no caso de Roustaing 8. Ele diz: “Bom, eu quero explicação da posição do Cristo no mundo, eu não aceito esta explicação que está aí no Livro dos Espíritos, acho isso muito banal. O Cristo aí ficou muito humano, não pode ser, o Cristo tem que ser divino.” Então ele chamou lá os espíritos de João Batista, de Moisés, dos evangelistas, chamou todos esses espíritas pra virem, através de uma médium, dar a ele explicação. O resultado foi uma grossa mistificação, que aí está no meio espírita. Não é assim que se tem de verificar. Tem de verificar com a nossa razão, com o nosso entendimento, com os elementos culturais que nós temos para examinar as coisas. Através do estudo é que nós temos de fazer isto, então, nós vamos progredir.

Mas, vemos então como há um progresso no desenvolvimento da cultura e esse progresso, no Espiritismo, também é assim. Quando Kardec publicou O Livro dos Espíritos, os espíritos disseram a ele: “Muitas das coisas que nós demos a você não devem ser divulgadas nessa primeira edição.” E explicaram a ele que ele devia ir fazendo, organizando o livro de acordo com as intuições que ele fosse recebendo. Então, muita coisa ele deixou de lado, não saiu na primeira edição do livro.

À segunda edição do livro, os Espíritos autorizaram: “Pode incluir aquelas coisas que não eram para sair.” Então incluiu, mas, assim mesmo, explicaram a ele: “ainda tem mais coisas que virão no futuro, porque no momento não se pode dizer”. Então, nós vemos, só para dar um exemplo concreto, nós vemos, por exemplo, no Livro dos Espíritos, o problema da origem do homem. O problema da origem do homem está colocado ali bem claramente. O homem, como todas as coisas, provém dos dois elementos fundamentais do Universo que são o princípio inteligente e o princípio material. O princípio inteligente é o espírito, o princípio material é a matéria. O espírito no sentido geral, como matéria no sentido geral. Ora, então todas as coisas provém disso, inclusive o homem, porque tudo se encadeia no Universo, é uma sequência evolutiva que vai chegando até o homem.

Mas quando se pergunta no Livro dos Espíritos, num certo trecho lá, se pergunta pela origem do homem, se o homem veio do animal ou não, Kardec se mostra neutro. Ele diz: “há duas teorias, uma que diz que sim e outra que diz que não, isso é um problema a ser esclarecido futuramente”. Mas quando nós investigamos O Livro dos Espíritos, nós vemos que já está esclarecido lá dentro. Só que está esclarecido num sentido de colocação filosófica do problema, sem a declaração precisa assim: “o homem vem dos reinos inferiores da Criação”. Só depois é que vai esclarecer isto. Este problema era tão difícil de se tratar, na época havia tanta barreira, tanta dificuldade para que ele fosse esclarecido, que Kardec só chegou a esclarecê-lo bem no último livro da Codificação, que é A Gênese. Lá na Gênese, ele dá o esclarecimento total e decisivo do assunto, através, aliás, de uma comunicação recebida psicograficamente pelo astrônomo Camille Flammarion 9. Então ele deu ali a decisão do assunto. A comunicação foi de Galileu 10, do espírito de Galileu, e Kardec aceitou, endossou aquilo e mandou incluir no Livro dos Espíritos.

Mas assim existem numerosos outros problemas. Então é necessário, quando nós estudamos a Doutrina, pegar, por exemplo O Livro dos Espíritos, lermos lentamente e vamos nos informando do que o livro nos ensina. Mas não esquecer que este livro tem desenvolvimentos que vão aparecer no Livro dos Médiuns, daqueles mesmos problemas. Que vão aparecer no Evangelho Segundo o Espiritismo, que vão aparecer no Céu e o Inferno, e que vão aparecer nem A Gênese.

Então, para se fazer um estudo proveitoso nós temos, a cada tema que nós lemos, a cada assunto, procurar as suas conotações nas outras obras. Isso se procura pelo índice. Vê o assunto, estabelece a relação e vai ver o que diz lá. Esta sequência é que vai nos dando a ideia global, a visão global da Doutrina. Então nós podemos compreender a Doutrina em maior profundidade, penetrar nela de maneira mais proveitosa. Examinando a Codificação como uma obra inteiriça, porque ela se liga. Cada livro corresponde a um passo avante na compreensão do Espiritismo, até chegar à Gênese. Mas quando chegar à Gênese parou o trabalho de Kardec. Agora como disse o Espírito da Verdade, como disse Kardec, o trabalho irá prosseguir através das novas gerações, de novas criaturas que surgem, capazes de prosseguir e desenvolver esse trabalho.

Mas é preciso sempre considerar que existe um método para esse trabalho. Hoje, como já no próprio tempo de Kardec, logo depois da morte dele, apareceram os profetas lá, que queriam modificar princípios da Doutrina. E hoje eles estão aparecendo.

Então a alegação dessa gente é o seguinte: “O próprio Kardec disse que o Espiritismo é evolutivo, que ele evolui sempre, então, como é que não querem aceitar as novidades que estão surgindo?” Mas quais são as novidades? “As novidades são dadas por tais e tais livros, e por tais revelações de médiuns...” Bom, nós vamos reunir tudo isso e submeter ao método de Kardec. Kardec estabeleceu um método, esse método foi válido no seu tempo, esse método é válido até hoje, é o método de controle das comunicações mediúnicas. Temos de examinar a comunicação dentro da lógica, dentro daquilo que podemos chamar “o nível cultural da época em que nós estamos”, das verdades confirmadas pela ciência na sua pesquisa. Temos que confrontar tudo isto sempre dentro do bom senso e confrontar com os princípios gerais da Codificação. Ora, quando nós vamos confrontar isto, nós vemos que a maior parte dessas pretensas superações da Doutrina Espírita que vêm vindo aí, desses novos aspectos, a maioria deles estão fora do bom senso, da lógica, fora daquilo que nós chamamos “o nível cultural do nosso tempo”, estão abaixo desse nível ou pretendem estar acima e não conseguem ultrapassar. Estão fora de todas as possibilidades de demonstração e de verificação. Então diz Kardec: as utopias podem ser muito bonitas, nós podemos admirar as utopias, mas não devemos adotá-las como verdades enquanto elas não se realizarem. A utopia é um sonho, este sonho pode se realizar e pode não se realizar.

Ora, então dizia Kardec, deixem que as utopias se realizem primeiro, depois vamos integrá-las na Doutrina. Toda vez que uma verdade nova aparecer, uma verdade que de fato seja confirmada pela pesquisa, pela observação, pelo bom senso, pela lógica... Toda vez que isto aparecer, diz Kardec, não temos, não devemos ter nenhuma dificuldade em juntar este acréscimo, este dado novo, ao esclarecimento que a Doutrina Espírita nos oferece. Mas é preciso ver se este dado é válido. Se não for válido, não podemos juntar.

Quer dizer, isto é o que tem dado uma grande confusão no meio espírita, a falta de compreensão deste problema. O Espiritismo evolui, mas como tudo, esta evolução é controlada. Assim como a ciência se desenvolve, mas a ciência não pode estar aceitando todas as utopias que nascem na cabeça de certos cientistas malucos. Existem cientistas malucos também, cientistas que querem passar além dos limites. Então, eles formulam teorias absurdas e querem impor aquelas teorias como verdades. A ciência não aceita. Então, nós estamos vendo sempre as brigas que surgem no campo científico, porque um cientista formulou uma teoria que não tem cabimento e ele meteu na cabeça (por assim dizer) que aquilo está certo e que ele tem de provar. Os outros dizem “prove”. E ficam esperando a prova. E a prova não vem. Então, ele se desespera porque não consegue a prova e parte, como se costuma dizer, “parte para a ignorância”. [Risos.] Diz: “Não! É isso mesmo e está acabado, porque é assim.” Quer dizer então, esse problema não é só do Espiritismo. É da ciência, é das religiões, é de todos os campos do conhecimento. Mas no Espiritismo, nós precisamos ter o maior cuidado, estudar a Doutrina com critério, com lógica, com bom senso. Kardec disse certa vez: “Espiritismo é uma questão de bom senso”. Bom senso. Quem tiver bom senso penetra nele com facilidade, quem não tiver fica tropeçando nas bobagens que vão surgindo. Agora, penetrando na estrutura da Doutrina, então a gente absorve a Doutrina e aprende.

Perdão se eu falei demais, mas o assunto sempre provoca...

 

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1. Escala dos mundos. Ver O Evangelho Segundo o Espiritismo, Cap. III.

2. “Coivara” é uma expressão que remete à prática indígena de atear fogo na mata, porém controlando a sua expansão através de clareiras.

3. Pedro Abelardo (1079-1142). Filósofo, teólogo e lógico francês.

4. René Descartes (1596-1650). Filósofo, físico e matemático francês.

5. Oliver Lodge (1851-1940). Físico e escritor francês.

6. Jiddu Krishnamurti (1895-1986). Filósofo, orador e educador indiano.

7. Annie Besant (1847-1933). Escritora e teósofa inglesa.

8. Jean-Baptiste Roustaing (1805-1879). Advogado francês.

9. Camille Flammarion (1842-1925). Astrônomo, pesquisador espírita francês.

10. Galileu Galilei (1564-1642). Físico, matemático, astrônomo e filósofo italiano.

 

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