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ÁGUA NA FONTE
com Francisco Cândido Xavier
Fomos buscar água na fonte. Ao invés de esperar a mensagem pelo Correio, fomos pegá-la das mãos de Chico Xavier. Antonio Zaro, redator da revista Planeta, deu-nos a honra da sua companhia e testemunhou a recepção da mensagem.
Conversamos longamente com o médium sobre suas relações com o mundo invisível. A naturalidade e a simplicidade de Chico pôs-nos à vontade. Falamos de tudo quanto foi possível, sem qualquer intenção de entrevista. Um bate-papo entre amigos, nada mais do que isso.
Quando quisemos nos retirar, a chuva aumentou. Abençoada chuva que nos proporcionou colher a água da fonte nas mãos em concha. Zaro foi subitamente impregnado de perfume de rosas. Não sentíamos nada no ambiente. O próprio Chico não percebia o perfume. Mas Zaro estava impregnado. Nas mãos, nos braços, no corpo. Era uma saudação de Scheilla ao jovem jornalista. O bondoso espírito da enfermeira alemã o recebia assim, em nome dos anfitriões espirituais, dando-lhe uma prova gentil da presença invisível.
Logo depois propusemos a Chico a realização de uma prece, na esperança de que a água do além brotasse da fonte mediúnica. Havíamos falado de Deus, entre outros assuntos.
Iniciada a prece, Chico Xavier começou a psicografar com a rapidez habitual. Recebeu primeiro uma carta de Pablo a nós endereçada. Uma carta íntima de amigo para amigo, em que o Tio Pablo se referia a Cerqueira César e Avaré, as cidades da Sorocabana em que vivemos as primeiras experiências espíritas.
A seguir, sem solução de continuidade, Chico recebeu, com a mesma rapidez, um alexandrino de autoria de Tobias Barreto, o famoso poeta e filósofo sergipano. O seu monismo, agora espiritual, ressalta do soneto psicografado por Chico Xavier.
A QUEM?
Tobias Barreto
Céus cuja imensidão ninguém doma ou traduz,
Impérios imortais de flamas estelares,
Sirius, Vega, Altair, Canopus, Lira, Antares,
Astros vivos do azul – para quem vossa luz?
Terra, a quem procurais no giro que produz
A estranha orquestração surgida em vossos mares?
Aves, a quem falais por notas milenares?
Flores, a quem vos dais? Quem vos guarda e conduz?
Revelações de sonho estéril ou fecundo,
Melodias de amor que sustentais o mundo,
A quem vos dirigis em vossos apogeus?
Do píncaro mais alto às entranhas do solo
Toda a vida terrestre indaga, polo a polo,
E uma palavra só tudo responde – Deus!
AS ASAS DO CONDOR
Irmão Saulo
Tobias Barreto foi o iniciador do movimento condoreiro na poesia nacional. Castro Alves tornou-se o representante máximo desse movimento. Mais voltado para a cultura geral, o direito e a filosofia, nem por isso o poeta sergipano deixou de bater as suas asas acima dos Andes. São essas assas que ele agora abre, como espírito, acima da Terra, num voo condoreiro pelo infinito.
Chico Xavier nos disse que o tema Deus é uma constante da poesia mediúnica de Tobias Barreto. Sem o perceber, o médium nos oferecia um dado valioso. O monista materialista do século passado, impregnado do monismo de Haeckel, continua a sustentar a sua concepção global do Universo, mas agora tendo por fundamento a ideia de Deus.
O soneto A quem? oferece-nos uma visão poética do monismo espírita, ao mesmo tempo em que ilustra – com suas imagens em forma de desenhos ou pinturas verbais – umas das mais altas intuições de Kant, que foi seu mestre em filosofia e direito – a de que o conceito de Deus é o mais elevado que o homem pode atingir. Nesse conceito, segundo Kant, temos a síntese do Universo. Por isso, o monoteísmo judaico propiciou o aparecimento e desenvolvimento no mundo do monoteísmo cristão, que deu origem à civilização ocidental.
Abrindo as asas de sua inspiração no infinito, o poeta condoreiro Tobias Barreto nos mostra, num alexandrino psicografado por Chico Xavier com extrema rapidez, que todas as manifestações da vida no Cosmos, desde o cântico das aves na Terra até o esplendor dos “astros vivos do azul”, se dirigem para um único alvo – que é Deus. O monismo filosófico de O livro dos espíritos encontra, nesse soneto de Tobias Barreto, uma das suas mais belas expressões poéticas.
Curioso notar que algumas palavras do soneto, como Lyra e orchestração, foram escritas assim no original psicografado, de acordo com a ortografia antiga. Não raro isso acontece com os poetas antigos, o que mostra a persistência do automatismo da escrita no espírito, que se manifesta como lembrança quando eles escrevem sob influência terrena, servindo-se das mãos de um médium.