Portuguese English Spanish

Aproveite e veja também as outras colunas que já estão no ar.

CANSADOS E TRISTES
Francisco Cândido Xavier

Muitos dos amigos e irmãos que nos visitavam a instituição mostravam-se desanimados e abatidos. Problemas da vida e conflitos em família eram comentados por grande número de companheiros. E muitos outros se diziam cansados e tristes, sem a alegria de viver.

Depois da visita aos lares, que fazemos habitualmente aos sábados, as conversações cessaram e deram lugar à reunião. O livro dos espíritos nos deu para estudo a pergunta-questão 943. O tema, que se referia às anotações da noite, foi explanado por uma de nossas irmãs presentes.

Ao término das tarefas, a nossa Maria Dolores escreveu a mensagem-poema intitulada Retrato da fé.

RETRATO DA FÉ
Maria Dolores

Ao homem que tombara em desalento,
Crendo-se velho, inútil e sozinho,
Deus permitiu pudesse escutar, certa feita,
Grande árvore seca, mas de pé,
Que lhe falou, num cântico de fé,
À beira do caminho:

– Amigo, ergue-te e segue... Deus nos vê.
Não perguntes por que
A velhice aparente nos recobre...
Muitos passam aqui, parando na viagem...
Lamentam-me a nudez, dizem-me triste e pobre,
Entretanto, ainda guardo
A seiva da esperança e da coragem
Que Deus criou em mim.

Um dia fui esplêndido jardim,
Os pássaros cantavam nos meus braços,
Depois voavam, devorando espaços,
Em seguida, tornavam da distância
A me pedirem ninhos!
Com que amor lhes guardava os filhotinhos!

Louvava o Excelso Pai por minha mocidade,
E orava a oferecer-lhe a minha gratidão
Sob a forma de flores
Do júbilo profundo.
Quando se tem no mundo
A paz do coração!...

Deus aceitava as minhas preces,
Transformando-as em frutos
Para todos aqueles que passassem...
Quantos homens vieram e os colheram!
Muitos nobres e bons, outros fracos e brutos
Que me varavam, galho a galho,
Sem refletirem no trabalho
Que Deus tivera em me formar...
Mas nada perguntei a eles quanto a isso,
Todos somos de Deus para a luz do serviço,
Tendo por privilégio o dom de trabalhar.

Minha copa era grande... Era um vestido,
Todo ele a vibrar, entretecido
De folhas semelhantes a esmeraldas...
Por isso mesmo, ante o verão candente,
Alegrava-me ouvindo a voz de tanta gente
Que me buscava o teto, assim como se busca
A brandura da fonte
Quando o sol nos ofusca,
Lembrando águia de fogo
Fugindo sem cessar ao pouso do horizonte!

Depois, o tempo veio...
Tudo parece haver levado!
Meu corpo agora é nodulado e feio,
Mas creio em Deus e firmo-me de pé,
Porque Deus certamente me deseja
Para qualquer tarefa benfazeja...
Talvez que este meu corpo feio e nodulado
Possa servir de apoio certo e amigo
Para algum pássaro cansado
Que esteja ao desabrigo...

Não sei qual o destino a que o Céu me conduz,
Se algum machado bronco
Surgirá, de repente, a decepar-me o tronco,
Para que eu volte ao Alto, em espiras de lume
Na forma de calor ou de perfume
Em alguma fogueira que me aguarde.
E nem sei se serei aproveitada
Em singela choupana
Que me acolha, mais tarde,
Para ajudar a nobre vida humana!
Nada sei do porvir,
Sei que pertenço a Deus e que devo servir...

O homem, que se cansara sem razão,
Levantou-se do chão,
Fitou o mundo em torno!
Do verme ao firmamento e do lodo ao cascalho
Tudo era vida e luz, regozijo e trabalho...

No pranto de emoção
Que a alegria lhe dava ao coração,
Exclamou para os Céus:
– Sê louvado, Senhor!...
Num lenho que julguei largado e semimorto,
Deste-me nova fé, visão, auxílio, reconforto!
Perdoa-me, Senhor, a rebeldia,
Esquece todo o mal que fiz nos erros meus!
E pelo doce amor
Que esta árvore, a sós, entesoura e irradia,
Obrigado, meu Deus!

RETRATO DO TÉDIO
Irmão Saulo

Maria Dolores nos dá, neste poema, não só o retrato da fé, mas também o retrato do tédio. Na pergunta 943 de O livro dos espíritos, temos a resposta de que o tédio provém da ociosidade, da falta de fé e da saciedade. O homem saciado e ocioso não encontra beleza nem estímulos na vida. A falta de fé o leva ao desespero e à angústia que caracterizam o nosso tempo e sua árida filosofia. “O homem é uma paixão inútil”, afirma Sartre, o filósofo e o profeta do nada. O homem “velho, inútil e sozinho” que encontrou a árvore seca é o retrato do tédio e da náusea, da famosa náusea sartreana.

Mas a árvore seca estava em pé. Continuava de galhos abertos no espaço, no mesmo gesto acolhedor do passado verdejante. E se não tinha mais frutos, podia ainda oferecer ao viandante o seu exemplo de firmeza e de fé. Todas as coisas falam. E se tivermos “ouvidos de ouvir”, como ensina o Evangelho, as pedras podem clamar ao nosso redor e as árvores secas podem transmitir-nos as suas mensagens. A velhice, a inutilidade, a solidão só existem para aqueles que se entregam ao desânimo, que subestimam as próprias forças.

Como ensinava Léon Denis, cada fase da vida tem a sua finalidade no conjunto da existência. Se as forças físicas enfraquecem na velhice, as forças espirituais podem aumentar. Se o homem não tem mais ilusões, tem experiência e sabedoria. O jovem afoito, embriagado pela juventude, está sujeito a muitos erros e decepções. O velho experimentado e compreensivo será uma velha árvore que pode acolhê-lo e despertá-lo para a compreensão real da vida, apontando-lhe o caminho seguro da fé à luz da razão. O tédio é a ferrugem da alma. Só corrói as almas que se abandonam a si mesmas, que se atiram por covardia nos montes de ferro-velho.

Style Selector

Layout Style

Predefined Colors

Background Image