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CONSULTA SOBRE O AMOR
Francisco Cândido Xavier
As páginas de Cornélio Pires, enriquecidas com os seus apontamentos doutrinários, caro professor, têm motivado interessantes comentários e solicitações.
Assim é que, em uma de nossas reuniões públicas, tendo O livro dos espíritos nos dado para estudo a questão 296, e depois das explanações a respeito, por uma de nossas irmãs presentes, o nosso amigo Cornélio respondeu à carta de um companheiro que o consultou acerca do amor no plano espiritual, resposta que lhe enviamos desejando vê-la divulgada com os seus comentários.
Nota – Questão 296:
Pergunta – As afeições individuais dos espíritos são susceptíveis de alterações?
Resposta – Não, porque eles não podem enganar-se, pois não mais usam a máscara sob a qual se ocultam os hipócritas. É por isso que suas afeições são inalteráveis quando se trata de espíritos puros. O amor que nos une é para eles a fonte de uma suprema felicidade.
PONTO DE VISTA
Cornélio Pires
Recebi o seu pedido,
Prezado amigo Antenor,
Você deseja saber
O que pensamos do amor.
Falarei do amor terrestre,
Não daquele que conduz
Nossa vida e pensamento
Para a união com Jesus.
É verdade que não tenho
Direito algum que me assista;
Por isso, exponho a você
Meu simples ponto de vista.
Conforme acredito hoje,
Nos pobres estudos meus,
O amor na totalidade
É a natureza de Deus.
No entanto, pelo que vejo,
Quanto ao que sinto e ao que faço.
O amor é Deus em nós todos...
Cada qual tem um pedaço.
De tudo, porém, que amamos,
Até quanto conhecemos,
Quanto menos possessão
Maior a porção que temos.
O amor, quando chega, alcança
Nossa vida rotineira,
Parecendo o orvalho à noite,
Quando cai na laranjeira.
Mas é preciso cuidado
Por dentro do coração.
Toda afeição caprichosa
Traz grande perturbação.
Quando a pessoa faz isso,
Lá se vai a luz do bem:
Carinho vira paixão
Que não dá paz a ninguém.
Olhe a história de Quinhota:
Dizia adorar Lineu,
Porque o moço quis a prima,
A coitada enlouqueceu.
Delfim perseguindo Joana
Que, de fato, o não queria,
Atirou sobre o pai dela
E acertou Dona Maria.
Joaquim namorava Zélia;
A paixão nele era fogo...
Quando viu Zélia doente,
Colou-se à Tina Diogo.
Antônia clamava sempre
Que amava Zeca Vilaça,
Mas Zeca perdeu as pernas
E Antônia sumiu da praça.
Recorde o que sucedeu
Com Camilo Felisberto,
Desprezado por Joaquina,
Matou-se com tiro certo.
O amor, na Terra, em verdade,
Pode ter grande aconchego,
Mas para viver em paz
Não deve ter muito apego.
O amor, enfim, vem de Deus,
Mas se em nós vira paixão,
Parece cousa de louco
Ou trama de obsessão.
AMOR SEM POSSESSÃO
Irmão Saulo
O desapego é uma constante nas lições dos grandes mestres espirituais. E mesmo na vida terrena as pessoas sensatas e experientes compreendem os perigos do apego amoroso. Todas as escolas de psicologia denunciam esses perigos e, desde os gregos até nós, os filósofos ensinam que a felicidade depende da nossa capacidade de libertar-nos do apego às coisas e aos seres. O ciúme é sintoma de apego e leva a desequilíbrios perigosos, podendo gerar doenças graves e acarretar crimes nefandos.
Lemos sempre nos jornais a expressão: “Matou por amor”. Mas a verdade é que o amor não mata, pois o amor é vida e não morte. O que mata é o ciúme, o apego amoroso, gerado por sentimentos inferiores de posse exclusivista da pessoa amada. Esses sentimentos são resquícios animais da espécie que racionalmente devemos expulsar de nós, ao invés de racionalmente aumentá-los, como em geral fazemos. Nossa imaginação pode levar os instintos animais a intensidades ameaçadoras, o que jamais ocorre nas espécies animais. Temos de aprender a amar sem apego.
Quando Cornélio escreve que “o amor na totalidade é a natureza de Deus”, lembra-nos a afirmação de João, em seu Evangelho: “Deus é amor”. E Cornélio tira deste princípio a explicação do antigo mistério da presença de Deus em nós, afirmando: “O amor é Deus em nós todos, cada qual tem um pedaço.” A seguir, adverte que quanto menos possessão puser no amor, mais amor teremos em nosso coração. É impossível dar-se uma lição tão elevada com palavras mais simples e de maneira mais natural.
Toda a dinâmica da evolução espiritual se esclarece na simplicidade caipira desses versos. Deus está presente em nós pela nossa capacidade de amar, mas enquanto não superarmos o nosso egoísmo, que tudo quer com exclusividade, o amor permanecerá sufocado pela vaidade, o desejo e a ambição.
Poderíamos perguntar: mas se o amor é o próprio Deus, por que ele não vence o nosso apego? A resposta é clara: porque amor é liberdade. O amor é Deus chamando-nos para a liberdade, convocando-nos ao desapego por nossa própria compreensão e decisão. Deus não nos ama com apego, mas com liberdade, e por isso não quer impor-nos a compreensão do amor que devemos atingir por nós mesmos.