A princípio, era uma reunião familiar de estudos e mediunidade, que ocorria semanalmente na casa de Virgínia e Herculano Pires. Com o tempo, chegaram os amigos e se juntaram ao grupo.
Quando a família se mudou para a residência da Rua Doutor Bacelar, o imóvel contava com uma garagem que não era utilizada. Conforme o trabalho de Herculano se tornava mais conhecido, aumentava o número de pessoas que vinham procurá-lo, em busca de orientação espírita. Para melhor atender a essa demanda e, ao mesmo tempo, constituir um novo espaço de divulgação espírita, em 1972, o casal deu início às Palestras na Garagem, que eram semanais e dirigidas por Herculano.
Muitas delas foram carinhosamente registradas em fitas cassete pela tia Lourdes (Lourdes Anhaia Ferraz) e pelo Sr. Miguel Grisolia. Agora você pode ler as transcrições dessas gravações, fruto de um trabalho detalhado e paciente de Antonio Leite, da equipe de colaboradores da Fundação.
SOBRE A QUALIDADE DOS ÁUDIOS: As gravações originais apresentam níveis de qualidade variáveis. Alguns trechos estão quase completamente corrompidos. A linguagem coloquial está mantida nas transcrições. A numeração não segue a ordem cronológica, mas a criação de um índice das mesmas.
Palestra 10: Escala dos Mundos (Parte 1)
Introdução. Classificação dos Mundos. Evolução e fim dos mundos. O erro da visão roustainguista.
[...] A sequência de mundos, Kardec apresenta como uma escala não definitiva, não sistemática, mas, apenas uma sugestão, porque Kardec foi sempre muito cauteloso nesse assunto. Nós não podemos fazer uma “escala dos mundos”. Nós não conhecemos os mundos todos. Mas, pelas informações dos espíritos, podemos ter, assim, em linhas gerais uma escala sugestiva, pela qual, a ideia da progressão dos mundos.
Ora, nós sabemos que a lei fundamental do Espiritismo por assim dizer é a lei da evolução. Quando nós encaramos qualquer problema espírita, se nos apoiarmos na lei da evolução, se compreendermos o processo evolutivo, tudo se torna mais fácil. Se nós deixarmos de lado o problema da evolução, nós não compreendemos nada no Espiritismo, porque Espiritismo baseia-se em evolução.
Entretanto, é preciso também assentar o seguinte: O problema da evolução no espiritismo é um problema de desenvolvimento de potencialidade. Isso é muito importante pelo seguinte: Quando nós falamos em evolução muita gente pergunta: “Mas, Deus criou todas as coisas.” Deus é o poder criador. O poder criador não é um homem. O poder criador é um Espírito. Podemos interpretá-lo como um espírito. Mas, um Espírito Supremo. Um espírito que vive, por assim dizer, no absoluto, enquanto nós vivemos no relativo.
Esse poder criador, portanto, para nós, não tem forma possível. Nós não podemos saber como ele é. Está muito fora do nosso alcance. É preciso lembrar que nós estamos encarnados aqui na Terra num corpo de origem animal.
O nosso corpo, como sabemos, vem do desenvolvimento da evolução das espécies animais na Terra. Nós somos, por assim dizer, o último elo de uma escala que começa nos planos mais inferiores da Criação para chegar até o homem. E, temos o nosso lugar bem classificado, bem definido na escala zoológica. Nós somos, realmente, pelo nosso corpo, nós somos animais.
Entretanto, esse corpo animal abriga um espírito que já realizou uma grande evolução. Essa evolução sendo um desenvolvimento potencializado, o espírito humano é aquele que superou o desenvolvimento de potencialidade de todas as demais espécies da Criação na Terra. Então, nós podemos compreender que o processo da evolução não se aplica apenas ao homem. Não se aplica apenas aos seres vivos. Esse processo abrange o Universo inteiro. Tudo evolui no Universo.
E Deus? Deus está fora desse processo, porque Deus está no Absoluto. O Absoluto, como nós sabemos, é aquilo que existe por si mesmo e que não depende de coisa alguma. Ora, nós, as criaturas humanas, não existimos por nós mesmos. Nós nascemos umas das outras. E, o nosso espírito que é a nossa essência, como nós sabemos, provém de um ato da criação de Deus. Então, um ato de criação do absoluto. Deus existe por si mesmo. Nós não podemos saber como é a existência dele. Podemos perceber Deus e compreender Deus através da Natureza. Quando nós olhamos para nós mesmos e, olhamos para a Natureza, nós vemos que Deus tem de existir forçosamente. Descartes[1] dizia o seguinte: Se nós tirarmos Deus do nosso Universo seria como tirar o Sol do nosso sistema solar. Se nós tirarmos o Sol, o sistema se desmancha. Se nós tirarmos Deus do Universo não compreendemos mais nada. Por isso que as correntes materialistas lutam praticamente nas trevas quando se defrontam com os grandes problemas da vida humana. Lutam nas trevas porque eles tiraram Deus do Universo. Quando vir o caos não há nada que possa precisar com determinação para se compreender os processos da vida no Universo. Mas, quando nós reconhecemos a existência de Deus, tudo se torna compreensível. Se nós humanizarmos Deus como fizeram as igrejas em todo mundo, nós estamos dando uma possibilidade ao homem de pensar em Deus e de compreender Deus humanamente. Mas, essa possibilidade ao mesmo tempo tira ao homem a capacidade de entender o que seja Deus. Então, nós podemos dizer que em grande parte o materialismo resulta desta incapacidade do homem para compreender Deus.
O materialismo e o ateísmo, principalmente. Todo materialista é ateu. Mas, se nós compreendermos que o Universo é uma estrutura, é um organismo e, que tudo no Livro dos Espíritos se encadeia com o Universo, não há nada isolado, não há nada separado. Há um encadeamento constante, nós então, chegamos forçosamente, inevitavelmente a aceitar que tem que existir uma inteligência controladora de tudo isso. É forçoso existir. Nós não podemos deixar de aceitar que exista, porque ao contrário nós não podemos explicar a ordem universal. Eu já citei aqui uma ocasião um filósofo alemão chamado: Ernest Cassirer[2]. Cassirer, estudando o problema da fé, ele não é espírita, não é católico, não é protestante, não é nada, mas, ele acredita em Deus. Estudando o problema da fé, ele chegou à seguinte conclusão: A ciência condena a fé na religião. Condena a fé religiosa. A ciência em si e, não, os cientistas que são religiosos. Condena por quê? Porque para a ciência o que tem valor não deve depender de fé. Deve depender de pesquisa, de verificação e prova científica. Entretanto, diz Cassirer, a ciência também se baseia na fé. Por quê? Porque a ciência para existir, ela tem que partir forçosamente de um dogma fundamental, que é a afirmação de que existe a ordem universal. Se a ciência admitir que não existe a ordem universal, ela não pode existir. Por quê? Porque sem ordem no universo, sem leis que organizem todo o universo, não é possível fazer pesquisa. Não é possível fazer nada, pesquisar nada. Se nós estamos no caos, digamos assim, no caos no sentido de caos absoluto, se não for tudo administrado, nós não podemos ter consciência de nada. Tudo para nós é confusão. Mas, a ciência parte do princípio de que todas as coisas são organizadas. Todas as coisas são regidas por leis. Então, nós temos que pesquisar as leis para compreender o universo.
Entretanto, essa ordem universal não pode ser cientificamente provada. Esse ponto é muito curioso. A ordem universal não pode ser cientificamente provada. Embora a ciência prove que tudo quanto ela pesquisou está dentro dessa ordem, embora a ciência consiga provar que a terra inteirinha está estruturada nessa ordem, embora ela conseguisse provar que o nosso sistema solar todinho com todos os seus planetas, satélites e, todos outros corpos celestes estão incluídos rigidamente nessa ordem universal, ela não poderia provar que o universo inteiro está incluído. Então, quer dizer, o problema da ordem universal é um problema de fé. O cientista tem que acreditar que existe a ordem universal. Porque do contrário, ele não pode fazer ciência.
Ora, isso é muito importante para nós compreendermos o problema de Deus. O indivíduo que não aceita a existência de Deus, ele não tem uma ideia do que seja Deus. Porque se ele tiver essa ideia, ele compreende que não pode existir ordem em coisa alguma, se não houver um centro dirigente. E, esse centro tem que ser inteligente, porque esse centro tem que construir, que determinar, que organizar, que estruturar as coisas. Então, este elemento estruturador do Universo, que para nós é um Espírito (mas, um Espírito, por assim dizer, como emanação de Deus, como pensamento de Deus), quando nós pensamos neste espírito como o estruturador do universo, nós estamos nos referindo a Deus. Porque se tem um pensamento que estrutura o Universo, esse pensamento parte de algum lugar. Este lugar só pode ser aquele centro inteligente que cria, sustenta e dirige o Universo. E este centro é Deus. Nós podemos dar a isso os nomes mais variados, que será sempre Deus. Uma concepção daquilo que nós chamamos de Deus é sempre Deus.
Sendo assim, o universo inteiro é um constante processo de evolução. Tudo está se desenvolvendo porque o poder de Deus criou as coisas perfeitas. Todas as coisas criadas no universo são perfeitas em si mesmas. Mas, estas coisas buscam sempre uma perfeição maior. E vem daí, a evolução. Por exemplo, eu costumo tomar muito, como exemplo, a semente. Não só porque Jesus se serviu desse exemplo, como também porque é um exemplo muito fácil de se compreender. Nós temos numa semente, aquilo que podemos chamar de exemplo de perfeição. A semente tem em si todos os elementos necessários para se desenvolver na forma de uma planta. Então, a planta está incluída nesta semente. Mas, esta semente para se desenvolver necessita de condições. Ela tem que ser plantada, ela tem que ser cuidada e, muitas delas em épocas certas de plantação. E, assim por diante, até que ela possa germinar e se desenvolver. Mas, quando ela se desenvolve, ela nos mostra que trazia encerrada nela, no seio da semente, uma potencialidade não só de uma pequena planta, de um arbusto, mas, também de uma árvore. Por exemplo, o carvalho nasce da bolota. A bolota é insignificante. É uma semente insignificante e, dali, daquela semente, nasce uma árvore gigantesca. Então, o desenvolvimento de potencialidade, que é o processo evolutivo do universo parte de uma condição de perfeição já existente na Criação. Muita gente diz assim: Por que Deus não criou o homem perfeito? Deus criou o homem perfeito! Por exemplo, Rousseau no Emílio[3], ele diz logo no começo do Emílio que o homem como todas as coisas ao sair das mãos do Criador, já saiu certo, já saiu perfeito, já saiu bom. É uma ideia de Rousseau que realmente coincide com o princípio espírita.
Deus criou o espírito. O espírito no sentido que nós vimos aí de princípio inteligente do universo. Portanto, uma substância inteligente. Mas, essa substância tem em si as potencialidades de toda criação e, vai se desenvolver. O desenvolvimento desse princípio inteligente vai resultar no homem. Mas, o homem, como diz Sr. Oliver Lodge[4] que foi um grande físico e químico inglês, e um grande espírita, ele diz o seguinte: “O homem no momento atual, no momento em que nos encontramos, ele é um processo, ele não está acabado. A humanidade é um processo.” Atualmente, por exemplo, na filosofia existencialista (com Sartre[5], Simone de Beauvoir[6], Camus[7] – Simone de Beauvoir principalmente), todos eles acentuam bem isto: “A humanidade não pode ser considerada uma espécie, porque ela considera que a humanidade está se transformando constantemente. A humanidade, então, é um devir. É alguma coisa que está vindo, que está se formando. Que vai se transformando. E nesta transformação incessante a humanidade busca um alvo. Ela procura um arquétipo, um tipo que ela vai atingir.
Para nós espíritas, esse arquétipo é Jesus. É a ideia do homem perfeito. E por isso é que nós sempre negamos. Nós não podemos admitir no espiritismo nenhuma concepção de Jesus que lhe tire a condição humana. Ele é realmente um homem e, um homem que mostrou a sua perfeição. Quer dizer, a capacidade de o homem de atingir um plano superior e enfrentar todas as dificuldades da vida lutando sempre pelo bem, sempre trabalhando para a transformação e evolução das criaturas na elevação do mundo em que nos encontramos. Sendo assim, nós temos então uma ideia daquilo que nós podemos chamar de Universo, povoado de mundos. São os mundos ao infinito.
Nós já vimos que temos na escala dos mundos, cinco classes principais de mundos. O mundo primitivo, o mundo de provas e expiações, o mundo de regeneração, o mundo feliz e o mundo divino ou celeste.
Então, nessa escala, vamos fazer assim... Eu não sou desenhista e, nem pretendo ser. Isso é apenas uma idéia. O mundo primitivo seria, por exemplo, eu vou fazer uma escala por tamanho para poder entender melhor. O mundo primitivo seria um pequeno mundo bastante denso de matéria. O mundo de provas e expiações seria um mundo já menos denso. O mundo de regeneração, que é um mundo já superior, seria maior e menos denso. O mundo feliz também ainda maior. E, por fim, o mundo celeste ou divino. Então, nós temos uma idéia da evolução dos mundos. É preciso não esquecer que existem os mundos intermediários que são os mundos transitórios, que também pertencem à escala dos mundos. Os mundos transitórios são mundos primitivos em estado ainda de completa aridez. Um exemplo concreto: a Lua. Completa aridez. Não tem atmosfera, não tem nada. Então, são chamados mundos transitórios pelo seguinte: porque eles não têm humanidade, eles não têm habitantes permanentes, nem mesmo os animais, nem os vegetais. Entretanto, eles servem de escala no universo, segundo os espíritos afirmaram, eles servem de escala, de ponto de parada para os espíritos que trabalham no Cosmos. Então, Kardec chega mesmo a dizer que os mundos transitórios são espécies de rochedos no meio do mar que serve de pousada às aves de arribação, quer dizer, espíritos que trabalham no universo. No Cosmos. Têm grandes comissões ou, grandes legiões. Eles às vezes fazem pousada no mundo transitório, porque para eles, espíritos, o mundo transitório não precisa ter atmosfera, não precisa ter nada. Então, serve de ponto de apoio, por exemplo, para eles exercerem a sua função numa determinada região do Cosmos, abrangendo uma galáxia ou parte de uma galáxia. Então esses são os mundos transitórios.
Mas, o que nos interessa hoje, principalmente, é o seguinte: É saber como se processa essa evolução dos mundos. De acordo com a doutrina espírita codificada por Kardec, (que é a única Doutrina Espírita, o resto que se chama “espiritismo” por aí não é Espiritismo). Nós sabemos que a doutrina espírita, ela determina que a escala dos mundos se dar da mesma maneira que se dá a escala dos seres. Nos seres nós vemos começar no mineral, passar para o vegetal, do vegetal para o animal, do animal para o homem, do homem para o plano angélico. Quando os espíritos superam a condição humana, eles se tornam aquilo que as religiões chamam de anjos. Quer dizer, nós todos somos candidatos a anjos. Precisamos fazer muita coisa para chegar lá, mas, somos candidatos. E temos condições e possibilidades e, vamos chegar lá. É mais interessante até dizer o seguinte: Queiramos ou não queiramos, nós vamos chegar lá. Eu me lembro de um poema do Rainer Maria Rilke[8] um poeta tcheco muito famoso e, com muita razão, porque ele era um grande poeta universal, em que ele diz assim: “Deus nos faz amadurecer mesmo que não queiramos.” Quer dizer, nós vamos chegar até lá forçosamente. Podemos demorar muito tempo, dependendo isso da nossa boa disposição para atender aos impulsos divinos que nos levam neste sentido. Muita gente diz: “Mas, chegando lá nós perdemos todos os prazeres humanos, todas as satisfações.” Foi uma pessoa muito inteligente, muito culta que me disse isso. Eu disse: “Isso mostra o quanto você está distante de compreender o problema da evolução espiritual.” Porque aquilo que para nós pode ser prazer, satisfação, alegria aqui na Terra, é tudo muito grosseiro, passageiro, efêmero, não tem valor nenhum. Agora, o que o espírito vai conquistar na sua evolução tem valor. Ele vai encontrar a sua felicidade sim, mas, a felicidade real. Não a felicidade passageira, mentirosa, ilusória que nós temos aqui na Terra.
Mas, assim então, com essa evolução dos seres que vai desde o mineral até o anjo, eu já citei aqui a pergunta 540 d’O livro dos Espíritos. Eu gosto de citar muito essa pergunta, porque ela é muito importante. Não pela pergunta em si, nem pela resposta total, pelo final da resposta. No finzinho da resposta o Espírito da Verdade respondendo a Kardec diz o seguinte: “Admirável lei de harmonia, que a vossa inteligência limitada ainda não pode compreender. Tudo se encadeia no universo, desde o átomo até o arcanjo.” Já foi além dos anjos, dos arcanjos. Tudo encadeado. Então, assim como essa evolução dos seres, há também a evolução dos mundos. O mundo parte de uma condição muito primária. Ele é um mundo formado no espaço como um bloco de matéria. Matéria árida, sem atmosfera, sem condições de vida, sem coisa alguma. Mas, este mundo vai se desenvolvendo. Ele vai desenvolvendo as suas potencialidades. A matéria deste mundo evolui. E o mineral deste mundo vai gerar as plantas. Das plantas vão ser gerados os animais. Dos animais vão ser gerados os homens. E assim vai a progressão.
Então, quando acontece isso esse mundo passa para a condição de mundo de provas e expiações. Quer dizer, quando já desenvolveu a criatura humana e já houve uma vivência da criatura humana no mundo primitivo. Nós podemos ver isso na própria história da Terra. Quando nós estudamos a história da Terra e vemos que houve aqueles períodos em que os homens eram animais selvagens. Nós estamos ainda no mundo primitivo. Mas, quando surgiram as primeiras civilizações, quando foram se desenvolvendo essas civilizações, nós já começamos entrar no mundo de provas e expiações, então, o próprio mundo se modificou. Aquele mundo de formas inteiramente grosseiras, com florestas de árvores gigantescas, enormes, com animais monstruosos. Tudo se transformou. Já apareceu uma Terra numa forma aprimorada. Uma Natureza criada em condições diferentes daquela primitiva, não só no plano animal como no vegetal e no mineral. também. O próprio mineral vai se transformando, vai evoluindo. Então, chegamos a uma condição superior já de mundo. (Mas, é bom a gente lembrar que estamos bem pertinho do começo. Aqui nas provas e expiações é o nosso mundo.) Daqui nós vamos passar para mundo de regeneração. No mundo de regeneração a humanidade ainda não está regenerada. Mas, ela está em fase acelerada de regeneração. É por isso que chama mundo de regeneração. Então, como nós vimos já desaparecem neste mundo as expiações, mas, ficam as provas. Então, é um mundo de provas, não de expiações. As grandes dores, os males tremendos, horrorosos, que hoje existem no nosso mundo desaparecem, porque a expiação é que causa estes males. É que produz estes males. A expiação é o pagamento pelo homem da sua maldade, daquilo que ele fez de mal e, como o homem, quando é mau, ele é mau mesmo, é pior do que as feras, então, o que ele faz acarreta sofrimentos enormes para ele. É a lei de ação e reação. Ele tem que passar por essas leis. Mas, sempre termina esse pagamento aqui. Então, ele vai para o mundo de regeneração.
Esse pedacinho agora aqui é muito importante, porque nós estamos nessa transição. Estamos nessa transição. A Terra está evoluindo para cá. Ela vai se transformar num mundo de regeneração. Os espíritos dizem que o terceiro milênio é o milênio da transformação total da Terra em um mundo de regeneração. Eu gosto de acentuar isso, porque muita gente fica esperando. “O terceiro milênio está chegando.” “Nós estamos apenas a 26 anos do terceiro milênio.” “Daqui a 26 anos já entramos nele, então, vamos chegar num mundo feliz.” Estão muito enganados. Não é assim não. Nós não temos um milênio inteiro para fazer este mundo feliz.
Do ano dois mil em diante nós então, estamos já numa condição melhor na Terra, mas, uma condição que está em início. Não é total. Nós vamos ainda nos transformar durante o milênio num mundo de regeneração. Quando nos transformarmos completamente num mundo de regeneração, nós temos pela frente a possibilidade do mundo feliz. Por isso que Kardec diz: Essa escala não é absoluta. Porque há muitas variações, há muitas fases intermediárias. Nós poderíamos, por exemplo, colocar entre cada um destes mundos, outras formas de mundo, que são realmente formas intermediárias entre um mundo e outro. Mas, como se processa a evolução dos mundos? Ela se processa primeiramente de acordo com o desenvolvimento das potencialidades da própria Natureza deste mundo. Porque as condições estruturais deste mundo, a matéria que o estrutura, ela está em evolução. Toda matéria, tudo no universo está em evolução. Mas, o homem é o elemento fundamental no processo de evolução dos mundos porque os mundos têm por finalidade dar habitação a seres e facilitar a evolução destes seres. Os mundos não são feitos apenas para ficar no espaço rodando como elementos inúteis. Eles realmente se destinam ao desenvolvimento mais importante que existe, que é o desenvolvimento do homem. Do homem não naturalmente o homem terreno, apenas. Do homem universal, o homem que está na civilização cósmica do universo. Porém, então, na proporção em que vão se desenvolvendo os elementos materiais do mundo, vão se transformando, melhorando, o homem também evolui. E evoluem as condições de vida, evolui a cultura. Tudo evolui.
Por exemplo, cinquenta anos atrás, na Terra, nós vemos que tivemos um processo acelerado de evolução, neste meio século. E nós não podemos ver evidentemente diante dos nossos olhos o que será o meio século que ele vem. Nós vamos dar avanços muito grandes. Mas, esses avanços dependem, como nós vemos e, todos veem também, são visíveis para nós, depende da evolução do homem. Se o homem não evoluir suficientemente, ele pode atrasar a sua evolução. Ele pode perturbar a evolução do mundo em que ele está. E retardar, então, a passagem do mundo para uma fase para outra. Porque se ele não estiver em condições realmente de evoluir, de acompanhar a evolução do mundo, ele pode ser afastado do mundo. Pode ser mandado para um mundo inferior. Por exemplo, suponhamos o seguinte: nós estamos aqui na Terra e vamos passar para um mundo de regeneração. Sabemos que grande parte da humanidade terrena não tem condições para ir para este mundo. Então, essa humanidade irá para outro mundo semelhante à Terra que está em desenvolvimento ainda anterior à nossa fase atual. Quer dizer, são alunos que voltam, que regridem. Que não passam no exame e voltam para a classe em que estavam. Mas, como a escola aqui melhorou, como a escola se transformou. Por exemplo, era uma escola primária e se transformou em ginásio, então, esses alunos têm se mudado para a outra escola. E assim vai se dando a evolução. Na proporção, então, em que isso se dá, os mundos vão se transformando, as humanidades que povoam esses mundos se caracterizam por condições evolutivas diversificadas, diferentes na proporção da escala até atingir aquele plano dos mundos celestes ou divinos, de que falam os espíritos.
(Término do lado A da fita 26).
... a formação dos mundos é aquilo que gera a ideia generalizada na Terra e, naturalmente em outros mundos também, a ideia do fim do mundo. Haverá um fim do mundo. Haverá realmente um fim do mundo. Mas, não o fim da humanidade. E nem do próprio mundo. É o fim de um mundo. É como, por exemplo, nós dizermos, assim: com a queda do Império Romano, chegamos ao fim do mundo greco-romano. O mundo antigo romano, o mundo clássico desapareceu com a queda do Império. Mas, outro mundo nasceu e continuou e, assim são as civilizações que se sucedem na Terra. Assim também, no espaço, os mundos não desaparecem, apenas se transformam. Pela evolução, eles vão se transformando. Uma transformação total de um mundo dá a impressão de um verdadeiro “fim de mundo”, porque toda aquela população que não estiver em condições de participar da fase nova, terá de ser retirada desse mundo e removida para outro que lhe ofereça condições. Não é também uma condenação. Esses que vão voltar para aqui, eles não estão sendo condenados, não. É apenas uma questão administrativa, podemos dizer assim. Eles não estão em condições de continuar lá, continuar lá para eles seria prejudicial. E, eles iriam prejudicar os outros. Então, eles foram removidos para cá. Vão continuar essa evolução aqui. Amanhã eles estarão num mundo igual àquele. Depois irão para o outro e assim por diante. Quer dizer, Deus não condena. Deus não castiga. Deus não pune. Quem se pune somos nós mesmos. Para isso a Justiça Divina é perfeita. Deus não precisou criar tribunais especiais. Os famosos “tribunais do além-túmulo”, em que as pessoas serão julgadas, são apenas imaginação humana, porque nós costumamos medir tudo pelas nossas próprias condições. Então, imaginamos “lá no céu também tribunais iguais os daqui da Terra”. Não! Deus não precisa deste tribunal. Ele pôs o tribunal dele – o tribunal de Deus – na consciência de cada um de nós e ficou tranquilo. Não precisa julgar ninguém. Porque quando nós fazemos o mal, a nossa consciência acusa. Isso é inevitável. Há pessoas que dizem: há um criminoso tão bárbaro, que não tinha nem consciência. Não existe ninguém sem consciência. Sem consciência, não é humano. Toda criatura humana tem consciência. Então, aquele criminoso pode ter se endurecido no mal, na prática do mal, mas, a justiça já está dentro dele e, no momento decisivo, no momento em que ele tem que se submeter a provas, então, a consciência vai pesar. Assim, a Justiça de Deus funciona em nós mesmos. Deus não condena ninguém, não pune ninguém. Nós mesmos nos punimos. Fazemos o mal, sentimos que erramos, a consciência nos acusa, porque dentro de nós a consciência é um impulso para frente e, um impulso para o alto. Tudo quanto impede a nossa evolução para o alto, a nossa consciência grita, sinala, marca “Isso está errado!”. E fica doendo na consciência. Porque o sujeito errou demais, então, a dor é mais aguda. E como dizem os espíritos: Depois da morte o indivíduo no plano espiritual que não tem a proteção, por assim dizer, do corpo material, da matéria grosseira que o envolve, e, com este envolvimento as suas vibrações espirituais diminuem de intensidade. Não tendo essa proteção, as vibrações espirituais dele desenvolvem toda intensidade possível. A dor da consciência, então, se torna muito mais aguda do que aqui na Terra. E é por isso que acontecem essas coisas que nós achamos estranhas. Por exemplo, como um indivíduo pode ter escolhido uma prova tão dolorosa como ele escolheu. Suponhamos o caso de Jesus Gonçalves. Jesus Gonçalves como sabemos foi um poeta leproso. Ele morou aqui no Pirapitingui e morreu no Pirapitingui. Um poeta leproso. Eu conheci Jesus Gonçalves, já no final de sua vida, num estado deplorável. Entretanto, que inteligência maravilhosa! Ele sentado num lugar, parado em qualquer lugar, era um trapo humano. No entanto, quando ele falava... Por exemplo, eu fui ao Sanatório Pirapitingui fazer uma palestra para os leprosos de um centro espírita fundado pelo Jesus Gonçalves. Eu não sabia nem como falar. Eu pensei: “Como falar na frente de gente naquele estado?” Quando a gente vem da cidade bem, com saúde. Mas, tive de falar. Falei. Quando terminei de falar Jesus Gonçalves estava sentado, assim, à minha frente, ele pediu a dois amigos, um de cada lado, que o levantassem para ele ficar em pé. Então, levantaram e ele começou a falar. Uma maravilha! O homem tinha uma capacidade para falar e que inspiração extraordinária! Então, a gente viu quanto de inspiração, quanto de poder humano estava dentro daquela figura que parecia para a gente um trapo. Existia ali uma alma vibrante. Então, podemos perguntar: Por que Jesus Gonçalves, um espírito, assim, inteligente, vivo, atilado, capaz, poderoso, pede uma prova dessa? Depois que morreu, através do Chico Xavier, ele deu dois sonetos magníficos que estão publicados e, nestes sonetos, ele diz que ele tinha sido Alarico[9], o Terrível, o Terror. O Assombro que destruía cidades, países. Matava gente. Fazia as cidades “se ajoelharem aos seus pés”. Então, diz ele depois que, no terror a que ele foi submetido no Além, pela sua própria consciência, Jesus deu a ele como aquilo que ele chamou “uma possibilidade de evolução”, aquilo que ele chamou “túnica de chagas”. Vestiu de chagas para morrer. Ele então bendizia essa túnica. Depois da morte, bendizia essa túnica. Mas, aqui mesmo na vida ele bendisse, porque ele era materialista quando foi ao sanatório de leprosos e continuou materialista até o momento em que ele descobriu o espiritismo. Quando ele descobriu o espiritismo, ele compreendeu e tornou-se espírita e foi um grande trabalhador.
Então, eu estou citando esse exemplo para a gente imaginar. Porque a gente diz assim: Como pode pedir? Pode pedir por isso? A extensão dos crimes da criatura cometidos em vida anterior força essa criatura a solicitar uma prova que realmente possa isentá-lo daquela culpa. Então, ele se submete àquilo. E se submete com coragem. Enfrenta. Dizem os espíritos que, quando um espírito vem para a Terra decidido a passar por uma prova, não há quem o remova. Porque ele se convenceu desta necessidade, pediu, assumiu o compromisso e veio. Agora, existem os espíritos covardes. Os espíritos que pedem. Os outros espíritos incumbidos de prescrever, por assim dizer, a situação em que ele vem e, determinar essa situação, aqueles outros abrandam o que ele pediu, diminuem 50% porque já sabem que ele não vai suportar e, ele chega aqui e nem os 50% ele aguenta. Então, são espíritos covardes que ainda não tem condições. Mas, deixam que ele faça a experiência, que é para ele ir se fortalecendo nessa prova. Essa prova, então, é um problema nosso. Não é um problema de Deus. Deus criou-nos, deu-nos as possibilidades de evolução, determinou essa evolução, pôs todas as condições necessárias para esta evolução. N’O livro dos Espíritos diz o seguinte: há duas ordens de espíritos a partir da criação como: simples e ignorantes. Uma vai para cá e uma vai para cá. Esta, diminuta é a dos espíritos que desde o começo seguem o caminho do Bem. Espíritos que no seu desenvolvimento não se deixam fascinar, atrair pelas coisas que possam perturbá-los. Eles obedecem fielmente às Leis de Deus. Então, esses espíritos não passam por provas. As provas deles são apenas os processos evolutivos que eles vão seguindo. E outros, a maioria (que somos nós todos [risos]) segue este. O caminho duro, o caminho em que, então, o indivíduo vai enfrentar problemas difíceis em cada encarnação. Mas, não quer dizer que este não se encarne. Ele se encarna também. Eles passam por encarnações. Só que encarnações benéficas, benévolas, porque eles não estão precisando ... eles não têm expiações a pagar. Têm apenas as provas por que passar.
Comentário na plateia: [Trecho incompreensível] Existem dois caminhos para o Espírito que está iniciando a trajetória ... [Trecho incompreensível]
Herculano: A Justiça Divina é muito diferente da justiça da Terra como nós já vimos. A Justiça Divina não está julgando. Então, o que acontece? Os espíritos todos começam do princípio inteligente do Universo que vai se desenvolvendo. Por isso que diz lá: começam simples e ignorantes. Mas, falando da mônada que seria, por exemplo, uma partícula do princípio inteligente que vai se desenvolver para formar o Ser. Porque, afinal de contas, o princípio inteligente é uma substância. Então, a mônada é uma partícula desse princípio que vai se desenvolver. Acontece que todas essas mônadas partem do mesmo princípio inteligente. Condição igual para todos: aí, estaria dentro do nosso pensamento sobre o princípio de Justiça.
Mas, daí para frente o desenvolvimento do espírito segue também uma linha certa até o momento em que ele adquire o livre-arbítrio. A diferenciação que surge aqui é a partir do livre-arbítrio. Até aqui eles estão paralelos. Aqui entra o livre-arbítrio. No livre-arbítrio, têm aqueles que abusam e que são a maioria. Entretanto, isso na Justiça Divina não tem praticamente nenhuma dificuldade, porque todos eles vão chegar ao mesmo lugar. Apenas a trajetória é mais longa porque ele, tendo a liberdade de usar as suas possibilidades, as suas capacidades e, quando ele fizer para ele aprender a ter responsabilidade, ele será o responsável.
[Comentário na plateia] - Eu parti daquele instante do livre-arbítrio. Agora, naturalmente, intrinsecamente seriamos todos iguais. Porque até aquele momento ele não tinha livre-arbítrio, então, ele não podia se definir, se diferenciar, inclusive. Agora, daquele momento em diante ele tem o livre-arbítrio, ele está igualzinho ao seu companheiro, mas, ele será colocado em situações restritas.
Herculano: Um momento, que isso é interessante. Eu estudei Rousseau aqui de propósito, porque Rousseau ele diz o seguinte: “Os homens nascem puros e bons das mãos de Deus”, mas, eles sofrem a queda. Eles se pervertem na sociedade. É na sociedade que há a queda do homem, para Rousseau. Ora, o que acontece é justamente isso: todos estão iguais, mas, na vida social, nem todos seguem o mesmo caminho.
[Comentário na plateia.] Porque eles não têm ainda a expiação.
Herculano: Então, no início das condições são as mesmas. As sociedades primitivas são muito pequenas e são sociedades homogêneas. Até se diz mesmo o seguinte: As tribos indígenas de hoje nos dão ideia. Elas são tão homogêneas e estruturadas de tal maneira que, praticamente, não existe um indivíduo dentro dela. Como as grandes civilizações orientais do passado também eram verdadeiras tribos elevadas a graus de civilização. O indivíduo está estruturado. Então, ele é a peça de uma engrenagem. Todos eles tinham as mesmas condições. Mas, no desenvolvimento a partir dessa sociedade primitiva que vai subindo para as civilizações e, no aparecimento das civilizações, então, vão aparecendo as diversificações. Diversificação que decorre do quê? Do fato de que cada mônada é, em si mesma, uma semente. Está cheia de potencialidades. Mas, ela vai adquirir a condição de desenvolver as suas possibilidades com o controle do seu livre-arbítrio, de acordo com sua vontade. Então, quer dizer, são as injunções que partem de dentro do homem. O homem que vai fazer a sociedade. A sociedade é feita pelo homem. Não é feita exteriormente. Não é nada vindo de fora. De dentro do homem que saem as sociedades. É da reunião dos homens.
Mas, aí é um problema que a gente pode discutir, assim, em termos humanos. Mas, os Espíritos Superiores colocaram isso como princípio da Doutrina, dando-nos uma ideia geral da Criação, da formação do homem e do seu desenvolvimento. Agora, nós podemos discutir indefinidamente sobre esses princípios. Mas, na Doutrina é assim. O problema do livre-arbítrio é o problema da responsabilidade. Sem liberdade, não há responsabilidade. Se Deus quisesse que nós fôssemos moldados todos iguaizinhos, ele faria isso. Mas, ele não quer isso. Ele quer o nosso desenvolvimento como seres. Seres inteligentes, responsáveis e, capazes de se dirigir. É isso que ele quer de nós. Então, tem que dar todas as oportunidades. Todas elas estão abertas para nós. A escolha é nossa. De uma forma ou de outra, nós vamos escolher. E quantas vezes, nós escolhemos um caminho errado, pensamos que fizemos uma escolha impulsionados por forças estranhas e, no fundo não estamos bem conosco mesmos. Porque houve um interesse nosso naquele campo. Então, nós pensamos em contornar as dificuldades e “sair bem”. E entramos na busca daquele interesse e nos prejudicamos.
O problema, então, me parece que ficou mais ou menos claro. A evolução é essa.
Agora, no Brasil, nós não podemos estudar Espiritismo sem tomar conhecimento de uma mistificação que existe no Espiritismo, que é horrorosa, mas, nós temos que estudar: é o Roustainguismo. Roustaing[10] era um advogado da corte de Bordeaux na França, no tempo de Kardec, e que recebeu através de uma médium quatro volumes que se chama Os Quatro Evangelhos e é amplamente divulgado pela Federação Espírita Brasileira. A Federação Espírita Brasileira é roustainguista. Enquanto a maioria das Federações, por exemplo, do Estado de São Paulo, de Minas Gerais, do Paraná, de Santa Catarina; do próprio estado do Rio; a própria Federação Espírita da Guanabara – todas elas são contra Roustaing. Mas, a Federação Espírita Brasileira é um grupo roustainguista, que mantém a propagação de Roustaing. Então, nós não podemos deixar de nos referir, quando estamos estudando, por exemplo, a Escala dos Mundos, não podemos deixar de nos referir ao roustainguismo porque, inclusive, quem aprende Espiritismo precisa aprender também que existe essa “coisa”. Senão vai encontrar depois e pensa que é uma novidade, uma coisa extraordinária, e não é. É simplesmente uma mistificação muito grande. Enorme.
Então, nós vimos aqui a Escala dos Mundos como é. Roustaing fez praticamente um decalque da obra de Kardec. Mas não foi ele que fez. Vamos fazer justiça a Roustaing. Roustaing foi simplesmente um fascinado. Ele foi envolvido por influências que o levaram a essa condição. É verdade que ele tem a sua responsabilidade sobre isso, porque foi a sua vaidade que o levou a isso. Quer dizer, não há nunca uma tomada de posição que não tenha responsabilidade do indivíduo. Ele tem. Mas, a responsabilidade maior é das entidades espirituais que fizeram essa mistificação. Roustaing encantou-se com O Livro dos Espíritos, encantou-se com O Livro dos Médiuns. Achou uma beleza tudo aquilo, mas, achou que precisava fazer alguma coisa além de Kardec. É isso que a gente está vendo ainda hoje no Brasil, no mundo, muita gente querendo fazer coisas melhores que Kardec. Roustaing quis fazer coisas melhores que Kardec. Então, como ele se chamava João Batista, Jean-Baptiste Roustaing, ele resolveu evocar o Espírito de São João Batista. Evocar São João Batista e pedir que ele viesse explicar a ele certas coisas que não aceitava em Kardec. Por exemplo, ele achou que Kardec não precisou a natureza do Cristo. A natureza de Cristo é bem clara a Kardec, mas, ele achou que não. Ele achou que não, porque ele queria outra forma de natureza do Cristo. Ele queria que o Cristo fosse Deus. Então, ele chamou o Espírito de João Batista. João Batista veio e comunicou-se pela médium e, através da médium disse: “Não só eu venho. Virão os doze apóstolos. Virão os quatro evangelistas. Trarei os quatro evangelistas aqui, e Moisés também. E com essa equipe nós vamos, então, fazer uma remodelação, nisso que Kardec deixou, e vamos também corrigir os Evangelhos que estão errados.” Então, escreveu Os Quatro Evangelhos. É inacreditável. A gente chega a pensar como pode um grupo de homens, dirigindo a Federação Espírita Brasileira, aceitar esse negócio e divulgar isso??
Nos graus de obsessão, tem o grau de fascinação, que tira do indivíduo a capacidade de discernir. A fascinação apaga no indivíduo a sua capacidade de distinguir uma coisa de outra e de discernir a realidade do falso. Então, a gente compreende. Uma fascinação espiritual leva o indivíduo a aceitar tudo. Então, acontece isso. Mas, eu queria me referir a isso pelo seguinte: Porque em Roustaing, nós encontramos que ele copiou Kardec. Então, ele viu lá em Kardec esse problema das duas linhas de Espíritos. Uma que parte no sentido do bem. A outra que parte no sentido do erro, do mal. Ele então, criou duas linhas de mundos no espaço. Em Kardec é uma linha só. Os mundos vão evoluindo. Os mundos etéreos são a evolução dos mundos materiais. Mas, em Roustaing é diferente. Nós temos uma linha de mundos materiais. Isso daqui é material. E a outra é uma linha de mundos etéreos. Então, não há evolução propriamente. Os mundos materiais são sempre materiais. E os mundos etéreos são sempre etéreos. Aqui nos mundos etéreos estão os Espíritos que nunca erraram. Aqui no mundo material, aqueles que erraram. Quer dizer, uma divergência completa quanto a Kardec.
Mas, o pior não é isso. O pior é que em Kardec, quer dizer, de acordo com o Espírito da Verdade, essa evolução dos mundos é irreversível, como também a evolução dos Espíritos. Por quê? Na proporção em que o indivíduo vai evoluindo moral e espiritualmente, ele vai atingindo graus superiores de evolução. Esses graus superiores decorrem do quê? Decorrem das potencialidades que ele já desenvolveu. Ora, se ele desenvolveu essas potencialidades, elas estão desenvolvidas. Então, elas não podem regredir. Então, essa potencialidade não permitem a regressão do indivíduo. O indivíduo não pode parar. Ele evoluiu, por exemplo, até a condição do mundo de regeneração. Aqui ele parou. Ele não conseguiu ir para frente. Não passou para cá. Mas, ele não regride, porque a condição dele ali é aquela condição que ele já atingiu.
O problema, então, de Roustaing é o seguinte: ele coloca nesta linha evolutiva dos mundos etéreos, ele coloca o seguinte: quando um indivíduo atinge, por exemplo, um plano, chegou no ápice e está num mundo divino, ainda o Espírito tem três possibilidades de cair. E cair de que maneira? Pelo ciúme. Pelo orgulho. Ou pelo ateísmo. Eu não sei como pode cair pelo ateísmo, porque quando ele chega aqui, ele já está no plano de Deus. Mas, ele ainda fica ateu segundo Roustaing. Então, nesse momento, ele é devolvido não para cá, ele é devolvido para lá. E vai ficar no mundo mais inferior. Ele vai encarnar-se naquilo que Roustaing chama de “as terras virgens do Espaço”. São os mundos primitivos, que não têm civilização, que não têm homens, ainda. Não tem gente. Então, ele vai se encarnar lá. Mas, acontece um problema muito sério aqui: Como ele vai se encarnar lá se lá não tem espécie humana? Eu não posso encarnar lá. Então, Roustaing cria uma coisa nova que diz assim: Nesses mundos, não existe a espécie humana, mas, existe aquilo que nós chamamos de “massa humana”. A massa da carne humana. Existe a carne humana, mas, não existe o homem. [...] Então, o indivíduo encarna numa forma daquilo que ele chama de “criptógamo carnudo”. Criptógamo é uma planta e, existe no reino vegetal. É a planta que tem os seus órgãos reprodutivos ocultos. Os órgãos reprodutivos estão ocultos na planta. Então, ele põe o “carnudo” para tirar do reino vegetal e passar para o reino humano. [Risos] Então, ele põe: “criptógamo carnudo”. E diz que esses criptógamos carnudos são espécies de lesmas que andam pela terra, assim. E, este indivíduo tem que passar por essa prova toda por causa daquele pecado que ele cometeu. Então, vocês já viram a escala diferente e a situação, diferente. Mas, como nós vamos fazer?...
[1] René Descartes
[2] Ernst Cassirer
[3] Jean-Jacques Rousseau. Emílio, ou da Educação.
[4] Oliver Lodge (1851 – 1940), físico e escritor inglês.
[5] Jean-Paul Sartre (1905 – 1980), filósofo, escritor e crítico francês.
[6] Simone Lucie-Ernestine-Marie Bertrand de Beauvoir (1908 – 1986), escritora e intelectual francesa.
[7] Albert Camus (1913 – 1960), escritor, filósofo, romancista e jornalista franco-argelino.
[8] Rainer Maria Rilke (1875 – 1926), poeta tcheco.
[9] Alarico (ca. 370 – 410), rei dos visigodos.
[10] Jean-Baptiste Roustaing (1805 – 1879), advogado francês.