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A princípio, era uma reunião familiar de estudos e mediunidade, que ocorria semanalmente na casa de Virgínia e Herculano Pires. Com o tempo, chegaram os amigos e se juntaram ao grupo.

Quando a família se mudou para a residência da Rua Doutor Bacelar, o imóvel contava com uma garagem que não era utilizada. Conforme o trabalho de Herculano se tornava mais conhecido, aumentava o número de pessoas que vinham procurá-lo, em busca de orientação espírita. Para melhor atender a essa demanda e, ao mesmo tempo, constituir um novo espaço de divulgação espírita, em 1972, o casal deu início às Palestras na Garagem, que eram semanais e dirigidas por Herculano.

Muitas delas foram carinhosamente registradas em fitas cassete pela tia Lourdes (Lourdes Anhaia Ferraz) e pelo Sr. Miguel Grisolia. Agora você pode ler as transcrições dessas gravações, fruto de um trabalho detalhado e paciente de Antonio Leite, da equipe de colaboradores da Fundação. 

SOBRE A QUALIDADE DOS ÁUDIOS: As gravações originais apresentam níveis de qualidade variáveis. Alguns trechos estão quase completamente corrompidos. A linguagem coloquial está mantida nas transcrições. A numeração não segue a ordem cronológica, mas a criação de um índice das mesmas.

 

 

 

 

Palestra 8: Doutrina espírita: a importância da base científica

 

 

Vamos falar um pouco sobre a verdadeira estrutura da doutrina e a maneira pela qual ela deve ser realmente estudada. Porque o Espiritismo não apareceu, não surgiu no mundo como uma nova forma de religião. Geralmente nós, principalmente aqui no Brasil, temos essa impressão que seja uma religião (existem as várias religiões, tem uma que é o Espiritismo), mas não é essa a verdade.

O Espiritismo é uma doutrina, como nós já sabemos e já vimos aqui, uma doutrina tríplice. Uma doutrina de três aspectos.

O primeiro aspecto do Espiritismo não é a religião é a ciência. Porque ele não nasceu de uma revelação divina, naquele sentido de uma revelação dada por um profeta, por um grande missionário. Não. Ele nasceu da investigação dos fenômenos espíritas, os chamados fenômenos paranormais, como se diz hoje na Parapsicologia. Fenômenos que existiram portanto desde todos os tempos, são fenômenos naturais. Nós sabemos que esses fenômenos eram interpretados, ora como sobrenaturais, pelas igrejas, pelas religiões; ora como patológicos pela ciência médica, em seus vários ramos.

Assim, esses fenômenos submetidos a investigação por Allan Kardec, uma investigação de tipo inegavelmente científico, eles revelaram a existência do espírito. E não só a existência do espírito, mas a permanência dos espíritos ao nosso redor. A existência, como diz Kardec, de duas humanidades: uma humanidade visível; outra, a humanidade invisível. E essas humanidades vivendo, por assim dizer, contemporaneamente, no mesmo espaço e no mesmo tempo. Então, essas duas humanidades existem em dois planos, ou duas dimensões, da realidade. A realidade não é apenas a realidade material, concreta que nós conhecemos. Existe uma outra face, um outro aspecto dessa realidade que é a face espiritual, o aspecto espiritual.
Mas, ao contrário do que se pensava através da concepção religiosa, este aspecto espiritual não está num outro mundo, no sentido de uma distância espacial e temporal. Não. Esse aspecto espiritual está aqui mesmo, ao nosso redor.

Naquele tempo quando Kardec revelou isto, parecia um absurdo tão grande, que todas as forças da cultura do tempo se levantaram contra ele. Consultando não só as obras do próprio Kardec, como lendo relatos sobre a história do advento do Espiritismo, nós podemos ver que todas as forças culturais se levantaram contra ele. Em primeiro plano as religiões, porque as religiões acharam que Kardec estava querendo formar uma nova religião, constituir uma nova religião. Então todas elas se voltaram contra as afirmações de Kardec, contra a divulgação das ideias espíritas que consideraram naturalmente como heréticas. Para cada religião, como nós sabemos, aquilo que não concorda com os seus dogmas é uma heresia, então consideraram as ideias de Kardec como heréticas.

Mas ao mesmo tempo. a ciência também se levantou contra Kardec e o acusava do mesmo crime, o crime de heresia. O que Kardec fazia era uma heresia científica. Querer provar que existiam espíritos por métodos de investigação científica era um absurdo. E era um absurdo porque os espíritos sendo entidades sobrenaturais não podiam ser investigados pela ciência. Ou porque os espíritos, nada mais sendo do que simples alucinações das pessoas, eles não podiam ser investigados da maneira que Kardec desejava e não podiam ter a existência independente que Kardec lhes atribuía. Ao mesmo tempo, no plano filosófico, onde devia ser aceito com menos revolta, o pensamento de Kardec. Porque a Filosofia desde os seus primórdios até hoje, a Filosofia no seu desenvolvimento nunca conseguiu desligar-se completamente das suas raízes espirituais. A interpretação filosófica do homem, do mundo, sempre, mesmo nas doutrinas materialistas, tem sempre uma tonalidade espiritual. Fala-se, por exemplo no “materialismo dos gregos”. Houve um materialismo grego. Quando nós vamos estudar as chamadas correntes materialistas do pensamento grego, nós verificamos que elas não são materialistas. Elas são todas espiritualistas, não há no passado filosófico uma posição materialista. Há uma posição cética, uma posição de dúvida como a posição dos sofistas gregos. Quanto ao resto, dizer que Tales de Mileto, os jônicos, eram eles materialistas, é simplesmente querer adaptar a concepção grega, que era fundamentalmente espiritualista, à situação do materialismo posterior que veio com o Renascimento e desenvolveu-se depois dele. Mas apesar disso, no campo filosófico também houve uma revolta contra o Espiritismo e os filósofos em geral consideravam o Espiritismo como absurdo.

Por outro lado houve uma questão muito importante para a qual nós precisamos voltar a nossa atenção. Kardec andou aparentemente de maneira muito rápida. Ele começou a investigação em 1854, em 1857 ele já publicou O Livro dos Espíritos. Quer dizer, apenas três anos depois do início da investigação ele já vinha a público oferecendo, não só os resultados das pesquisas, mas uma formação filosófica básica que é O Livro dos Espíritos, dando uma nova concepção do mundo com base naqueles fenômenos. Ora, nós sabemos que os cientistas às vezes são obrigados a trabalhar durante anos e anos num determinado campo fenomênico para chegar a certas conclusões. Então acusaram Kardec de precipitação. Richet, por exemplo, Charles Richet que é o fundador da Metapsíquica e era nos fins do século passado e nas primeiras décadas deste século, considerado o expoente da fisiologia, o maior fisiologista dessa época. Charles Richet no seu Tratado de Metapsíquica, logo no primeiro capítulo ele diz o seguinte: que Kardec realmente tinha uma vocação científica inegável, e reconhece que os métodos de investigação de Kardec eram métodos científicos, de orientação científica. Mas, faz uma restrição a Kardec, acha que Kardec era ‘crente’ demais. Kardec chegava a conclusões com muita rapidez e tudo aquilo precisava ainda ser muito investigado pelas ciências, para se chegar a uma conclusão, de acordo com Kardec ou contra ele.

Então a Metapsíquica, que muita gente apresentou como contrária ao Espiritismo, como fizeram com a Psicologia agora, ela não era contrária ao Espiritismo. Ela era uma ciência de investigação e, como Richet era fisiologista, ele se interessou principalmente pelos assuntos, pelos problemas fisiológicos das manifestações espíritas. Daí a grande importância, o grande interesse que a Metapsíquica deu aos fenômenos de ectoplasmia[1], de materialização, de fenômenos de efeitos físicos. Porque tudo isso estava dentro do campo das possibilidades da investigação fisiológica. Quando Richet conseguia por exemplo obter uma materialização, ele estava diante de um fenômeno que imediatamente ele podia relacionar com o organismo do médium. Houve episódios muito curiosos neste processo.

Por exemplo, Ochorowicz [2], que foi um grande cientista e pesquisador polonês. Ele começou a fazer investigações com uma médium chamada Anastasia. Era uma médium, uma mocinha ainda. Ela produzia um fenômeno curioso, manifestava-se por ela... Perdão, não é Anastasia, Stanislawa, a médium chamava Stanislawa. Ela produzia um fenômeno que era a aparição de um espírito materializado, menor do que ela, um espírito pequeno de uma mocinha. E Ochorowicz investigou muito essa materialização, conversou com esse espírito, o espírito dava outro nome. Ochorowicz deu o nome a esse espírito de Stanislawa II. Por quê? Porque Ochorowicz chegou à seguinte conclusão. Stanizlawa II é simplesmente um desdobramento fisiológico de Stanislawa I, que é a médium. Agora, como se processa esse desdobramento é muito difícil de saber, mas, era para ele muito difícil de saber, mas ele teria de investigar, investigar bastante, aprofundar a investigação do fenômeno para chegar a descobrir o seu mecanismo. O que ele sabia é que uma vez a médium caindo em transe, produzia aquela materialização e aquela materialização dava um outro nome que ele não aceitava. Ele dizia não, você é a Stanislawa II. E isto então nos mostra a dificuldade que havia cientificamente de se aceitar a investigação de Kardec.

Mas quando essas objeções foram levantadas contra Kardec, os cientistas tinham razão porque eles não podiam entender aquele avanço rápido de Kardec em direção às conclusões que ele atingiu. É preciso saber entretanto que Kardec era um espírito de uma grande evolução e estava numa reencarnação missionária, a finalidade dele era precisamente codificar o Espiritismo. Então ele preparou-se. Por exemplo, Kardec só começou a investigação dos fenômenos espíritas quando tinha cinquenta anos de idade. Durante esses cinquenta anos ele não cuidou de Espiritismo. Durante cinquenta anos ele cuidou de Magnetismo, mas principalmente, ele cuidou de Pedagogia, Educação (ele dizia mesmo, “a educação é a finalidade da minha vida”) e de Medicina, a que ele também se dedicou. Mas não cuidou dos fenômenos propriamente espiríticos. E quando, aos cinquenta anos, o sr. Carlotti [3] que era um seu companheiro de sociedades magnéticas na França, lhe disse que existiam fenômenos de tipo inteligente produzidos através de mesas, de cadeiras, de objetos materiais, Kardec respondeu para o sr. Carlotti aquilo que qualquer cético de hoje responde a nós espíritas. Kardec respondeu o seguinte para o sr. Carlotti: “o dia que você me provar, Carlotti, que uma mesa pode ter músculos, nervos e cérebro, eu acredito no que você está me dizendo, antes disso não é possível.” “Isso será”, como ele disse, “apenas uma conversa para fazer a gente dormir em pé”. É a expressão dele.

Então vê-se que na realidade ele não começou a investigação, tendo por objetivo descobrir logo que aquelas manifestações eram espiríticas. Ele começou do ponto de vista científico, observando, vendo o que se passava, o que eram os fenômenos. Depois que viu os fenômenos ele formulou hipóteses. Formulou várias hipóteses. Aquilo podia ser efeito do magnetismo aliado à eletricidade. Podia ser uma energia como a energia de gravitação. Essa energia naturalmente aplicada num certo sentido através de uma certa reunião de pessoas, podia produzir o movimento. Como ele disse, o movimento circular das mesas, as mesas circulavam, mesinhas de três pés, né? Podiam produzir isto, segundo ele pensou. Porque, dizia Kardec, o movimento circular está dentro da Natureza, pertence a Natureza, é um movimento natural. Então pode ser que essas energias (eletricidade, gravitação, magnetismo ou qualquer outra) estejam produzindo isto. Foi com esse espírito que ele começou a investigar. Mas ele chegou mais rapidamente às conclusões, porque, de acordo com aquela teoria platônica, a teoria de Platão referente às reminiscências[4], ele trazia em si mesmo, no seu espírito a reminiscência não só das vidas anteriores, como da sua vida no mundo espiritual.

Então aqueles fenômenos foram despertando nele, logo aos primeiros contatos, estas reminiscências. E ele compreendeu logo que estava diante de uma realidade inegável, a existência de espíritos que se manifestavam através daqueles fenômenos. Mas ele não se ateve apenas a esse “acordar” de reminiscências na sua mente. Ele submeteu os fenômenos a processos de rigorosa investigação e chegou a conclusões inegáveis, irredutíveis. Porque dali por diante – vejam só isto, para a gente ter uma ideia de como surgiu o Espiritismo e como se desenvolveu – dali por diante, depois da publicação do Livro dos Espíritos até hoje, nenhuma ciência, nenhum cientista no mundo inteiro, conseguiu derrubar um princípio da Doutrina. Quer dizer, os princípios firmados por Kardec, as conclusões dele estão em pé até hoje. Pra gente ver a importância disto, basta dizer o seguinte: Surgiram do Espiritismo, porque o Espiritismo foi que iniciou a pesquisa dos fenômenos paranormais, surgiram do Espiritismo vários tipos de ciência.

Na antiga Parapsicologia alemã, nós podemos destacar o grande trabalho do professor Friedrich Zöllner [5] da Universidade de Leipzig, onde ele realmente realizou um trabalho gigantesco de investigação dos fenômenos, chegando até a materialização. E ele terminou concluindo como Kardec, pela existência do espírito, a realidade do mundo espiritual e a sua manifestação através da mediunidade. Na Ciência Psíquica Inglesa nós vemos Crookes[6] e Lodge [7] chegarem à mesma conclusão. Crookes, por exemplo, ele foi chamado à investigação, foi convidado, em virtude de um episódio muito importante da história do Espiritismo. Existia uma famosa sociedade que era a Sociedade Dialética de Londres. Era uma sociedade científica, sociedade de grande prestígio. Essa sociedade resolveu investigar os fenômenos espíritas para acabar com aquilo que ela chamava “o reaparecimento das superstições do passado, através do Espiritismo”. Então ela resolveu nomear uma comissão de cientistas, uma grande comissão para investigar os fenômenos. Esses cientistas investigaram os fenômenos e acabaram se dividindo em dois blocos. Uma parte deles negou os fenômenos e a outra aceitou. Então a sociedade terminou as suas pesquisas em conflito, não chegou a nenhuma conclusão.

Diante disto dirigiram um apelo ao William Crookes, um dos mais famosos cientistas da época, para que ele investigasse os fenômenos e desse o golpe de misericórdia nessa superstição nova que estava surgindo. Os cientistas achavam que a Ciência estava sendo ameaçada pelo aparecimento do Espiritismo. Pois bem, Crookes resolveu dedicar três meses ao estudo desses fenômenos. “Mais do que isso eu não posso dar. Vou suspender as minhas pesquisas, as minhas investigações científicas para me dedicar a esses fenômenos, três meses são suficientes. Em três meses eu encerrarei esta pesquisa e darei a conclusão.” Ele pensou que era como se diz, matar com um papelote [8], eu dou um papelote neste assunto e me fui.

Começou as investigações, levou mais de três anos. Depois de três anos ele veio a público, publicando uma série de trabalhos que foram reunidos num livro chamado Fatos Espíritas. E nesta série de trabalhos ele então veio declarar que todos os fenômenos espíritas eram reais. Ele os havia investigado, ele tinha as provas, ele tinha todo o seu protocolo de investigações com o registro de todas as investigações feitas, a presença de todos os seus colegas de ciência que participaram da investigação. E que portanto não havia maneira alguma dele dizer que aquilo era superstição. Que aquilo era realidade, provou.

Bom, a Metapsíquica francesa fez a mesma coisa. Richet[9] se manteve até o final numa posição puramente científica, não aceitando o Espiritismo, não aceitando a tese espírita, a teoria espírita, como ele dizia. Ele considerou que Kardec tinha avançado muito depressa, tinha chegado a conclusões muito rápidas e que essas conclusões não eram válidas cientificamente. Portanto ele tinha por objeto esclarecer esses fenômenos. Pois bem, as investigações de Richet nada mais fizeram de que comprovar tudo aquilo que Kardec tinha investigado. E no final da sua vida, Richet teve de enfrentar um grande pensador e um grande investigador italiano que foi o professor Ernesto Bozzano[10] . Ernesto Bozzano era discípulo de Spencer[11] , de Herbert Spencer no campo filosófico. Ele tinha tal admiração por Spencer, que ele chamava Spencer de “o Aristóteles moderno”, o Aristóteles do nosso tempo. A posição de Spencer como sabemos era uma posição evolucionista materialista. E Bozzano achava a posição de Spencer perfeitamente lógica, precisa. Era um discípulo fiel e um grande admirador de Spencer.

Entretanto, o dia em que ele teve a oportunidade de verificar os fenômenos espíritas, de investigá-los, ele tocou com o dedo, como fez Tomé com as chagas do Cristo. Tocou com o dedo a realidade da sobrevivência e então passou a reformular o seu pensamento, tornou-se um grande espírita. Ele deixou mais de sessenta obras sobre investigações de fenômenos espíritas, todas estas obras dentro de um rigor lógico admirável. Costuma-se dizer, mesmo, que a lógica de Bozzano é uma lógica de aço, porque ele parte de uma premissa e vem desenvolvendo silogisticamente o seu pensamento até chegar numa conclusão, que é difícil a gente dar outra conclusão à solução. Ele cerca o pensamento de todas as provas necessárias, é um trabalho gigantesco, o de Bozzano.

Bom, e Richet teve que enfrentar Bozzano, porque Bozzano interessou-se pela Metapsíquica, dedicou-se à ela, entrou em correspondência com Richet depois que chegaram a fazer trabalho juntos.

No final de sua vida, Richet escreveu uma cartinha ao mestre Bozzano dizendo assim: Que as monografias de Bozzano sobre vários fenômenos – obre cada fenômeno ele fez uma monografia especial – as monografias de Bozzano contrastavam de maneira espantosa com as numerosas teorias absurdas que atravancam a nossa Ciência. Foi o que o Richet disse. E que, portanto, ele chegava a conclusão de que Bozzano estava com a razão. Quer dizer, reconheceu a realidade do pensamento espírita de Bozzano, porque Bozzano não ficou apenas na Metapsíquica. Ele se serviu da Metapsíquica como um instrumento científico para ele avançar, ele avançou para o Espiritismo. O seu livro mais famoso, e realmente um livro em que segundo ele mesmo diz, ele reuniu quarenta anos de estudos, é Animismo ou Espiritismo?, é o grande livro de Bozzano. Animismo ou Espiritismo? existe traduzido em português e existe a edição italiana, ainda circulando na Itália e tirado... As obras de Bozzano foram quase todas tiradas novamente, numa nova edição, pela editora Editioni da Europa, de Verona. Então todas elas precedidas de um prefácio de Gastoni de Boni, que foi um discípulo dele.

Então esta declaração de Richet é uma declaração histórica porque ele inclusive pediu a Bozzano, “não publique esta carta, não divulgue isso, esta é a minha confissão para você”. Bozzano obedeceu, não publicou. Mas depois da morte de Richet, ele disse ‘agora estou liberado’. Porque Richet não queria que ele divulgasse enquanto ele estava vivo. Não queria enfrentar uma situação difícil no campo da ciência, porque ele já tinha enfrentado muitas, ele foi acusado inclusive de ingênuo, de se deixar iludir por médiuns trapaceiros... essa coisa toda. Apesar de toda a sua posição científica, de todo o seu prestígio científico ele foi acusado. Ele não queria mais complicação, ele estava velho, no fim da vida. Mas Bozzano depois da morte dele divulgou a carta de Richet, o que deu um barulho naturalmente no meio científico.

Mas além desta carta, nós temos aqui no Brasil também a glória de haver recebido uma prova de que Richet chegou à conclusão espírita. Foi uma carta que ele dirigiu a Cairbar Schutel[12] aqui em Matão, na araraquarense. Cairbar Schutel era um farmacêutico em Matão, que tinha sido o primeiro prefeito da cidade. Um homem que trabalhava lá na cidadezinha, uma cidadezinha do interior, descendente de alemães, tinha estudado no Rio de Janeiro. E era um homem dotado de grande capacidade intelectual e de vocação também científica para a visão dos problemas. E Cairbar Schutel fundou em Matão a Revista Internacional de Espiritismo. Antes disso, fundou O Clarim, um jornalzinho que circula até hoje, um jornal que prestou grandes serviços naquele tempo, porque ele era um jornal lido em todo o sertão do Brasil, não só nas capitais mas, principalmente, nos sertões [Ouvinte: eu ainda assino ele]. Ainda assina né? Pois é, esse jornalzinho está circulando, como também a Revista ainda circula.

E a Revista Internacional foi um meio de ligação que ele fez entre o movimento espírita brasileiro e o movimento espírita no exterior. Então, nesta revista, ele divulgava artigos, colaborações de grandes investigadores estrangeiros. Inclusive o próprio Bozzano colaborou em vários números da revista. E o Richet, que também mandou colaboração para a revista, também atendeu ao pedido do Schutel, escreveu uma cartinha para o Schutel em que o felicitava pelo seu trabalho no campo do Espiritismo e terminava a carta com esta expressão: “A morte é a porta da vida.” Uma frase decisiva com que ele encerrou o seu apoio, a sua aprovação ao trabalho de Schutel, dando, nessa frase final, a sua convicção: a morte é a porta da vida. Então, temos mais essa confirmação. Mas além disso, Richet publicou uma novela muito interessante sobre acontecimentos espíritas. E no prefácio da novela, ele confessa que todos aqueles fatos que ali estão na novela não são fantasiosos, são fatos que correspondem aos resultados da sua pesquisa nesse campo, são fatos reais.

Então vemos que o trabalho de Kardec não foi precipitado, foi um trabalho sério, profundo e um trabalho bem orientado para chegar mais rapidamente no comum, às conclusões da pesquisa científica. Se estas conclusões de Kardec fossem falhas, teriam sido destruídas. Quando Richet morreu (Richet morreu em 1935), quando ele morreu tocaram os clarins da reação no mundo inteiro, dizendo: “Bom, agora acabou esse problema, o único homem que estava aí para sustentar essa ideia de existência de espírito, essa coisa toda, era Richet. O seu prestígio científico era muito grande e ele então mantinha essa ideia. Mas agora Richet morreu e com ele morreu a Metapsíquica, acabou essa história.” Aqui mesmo em São Paulo, os jornais publicaram um artigo a respeito, comentando. E alguns diziam assim, “a última pá de terra lançada sobre o caixão de Richet, sepultou também a Metapsíquica”.

Mas “o homem faz e Deus desfaz”. Enquanto eles estavam conclamando a morte decisiva da ideia espírita, cinco anos antes da morte de Richet, já começava na Universidade de Duke, nos Estados Unidos, através do trabalho do professor Rhine , em colaboração com o professor William McDougall[14], que era um investigador inglês. Os dois se conjugaram para lançar uma nova ciência que seria a Parapsicologia Moderna. Então cinco anos antes daquilo que eles proclamaram como sendo a morte da Metapsíquica, a Metapsíquica já estava renascendo nos Estados Unidos com outro nome, com o nome da antiga Parapsicologia alemã, nome de Parapsicologia Moderna. E a investigação parapsicológica começou com um único cuidado, investigação de fenômenos os mais simples possíveis, porque a tese de Rhine[13] e de McDougall era a seguinte: a Metapsíquica embrenhou-se muito num emaranhado de problemas decorrentes do campo da Fisiologia. A Fisiologia é uma ciência bastante complexa... [Final da Fita]


 ...são demasiado complexos, deixam muito campo a dúvida. E foi isto que diziam os dois parapsicólogos iniciais fundadores da Parapsicologia, Rhine e de McDougall. Essa complexidade dos fenômenos permitiu muita confusão no assunto, então, vamos começar a coisa rudimentarmente.

Existem certos fenômenos que podem ser estudados com maior simplicidade pela sua própria natureza. Por exemplo, a clarividência. A clarividência, não do ponto de vista espírita, mas do ponto de vista da concepção científica, livre de qualquer compromisso com concepções espíritas. A clarividência é a visão através de corpos opacos, ou a visão a distância. Um indivíduo que está aqui, por exemplo, conosco neste momento, e vê um acontecimento que nesta hora está se passando lá no Rio de Janeiro. Ele vê, descreve, nós registramos a descrição dele. E depois vamos verificar pelo noticiário, pelas informações que vêm de lá, se tudo ocorreu de acordo com o que ele tinha visto. Então, não se pode duvidar de que ele teve uma percepção daquele acontecimento, de alguma forma, seja pela visão real, à distância, seja por uma percepção intuitiva, ele teve uma visão, ele viu aquele acontecimento. Então, a clarividência seria um processo mais fácil de se investigar. De maneira mais objetiva, nós poderíamos ter informações a respeito da sua existência ou não.

A telepatia. A telepatia, como sabemos, é considerada a transmissão do pensamento. Ora, a transmissão do pensamento tem uma certa relação com o telégrafo. Assim, como naquele tempo não existia ainda o rádio e nem a televisão, mas existia o telégrafo. O telégrafo então, dava uma ideia, assim como se transmite de um aparelho para outro, através da eletricidade e dos fios telegráficos, se transmite uma mensagem de uma distância enorme para outra, também se poderia talvez transmitir o pensamento. Quer dizer, a transmissão do pensamento seria alguma coisa viável de se estudar, do ponto de vista científico, sem ferir demasiado a posição científica do momento.

Começaram a investigar estes dois fenômenos apenas. Com muito cuidado, com grande número de pesquisas, de investigações repetidas continuamente, levaram dez anos de estudos, de 1930 a 1940. Quando chegou em 1940, o professor Rhine proclamou o seguinte: “a clarividência existe, está provada cientificamente pela investigação, pela investigação científica mais rigorosa. E a telepatia também.” A telepatia se confirmou logo em seguida à clarividência.

Começou então, o nascimento de uma nova ciência, que era a Parapsicologia. E os parapsicólogos disseram, os parapsicólogos fundadores, disseram que esta ciência tinha por objetivo analisar todos esses fenômenos, ver se realmente eles existiam, para depois irem para frente, investigando outros fenômenos, mas lentamente, de acordo com as exigências do processo científico mais rigoroso.

Durante vários anos, a Parapsicologia não passou desses fenômenos e de outros que foram sendo, por assim dizer, puxados um pelo outro. Nós costumamos dizer que “conversa puxa conversa”, assim aconteceu na Parapsicologia, um fenômeno puxava outro. Por exemplo, provada a clarividência, foi fácil provar a telepatia, porque os fenômenos eram mais ou menos paralelos. Mas aconteciam outras coisas, enquanto se investigava a transmissão de pensamento, através de pesquisas sucessivas, provou-se inesperadamente uma coisa que os cientistas não queriam provar, que eles queriam evitar: provou-se a existência da precognição. A precognição é simplesmente a profecia. Quer dizer, nós temos a possibilidade, a capacidade de ver o que vai acontecer no futuro e de ver com exatidão. Provou-se isto, através de investigações com séries de desenhos, transmitidos pelo pensamento para captação de várias pessoas.

Por exemplo, o professor Whately Carington[15], na Universidade de Cambridge, ele resolveu fazer uma grande pesquisa sobre a transmissão de pensamentos através de desenhos. Então ele chegava no seu gabinete na universidade, numa determinada hora. Primeiro ele fez uma lista de todas as pessoas que queriam participar da investigação. Não precisavam ser médiuns, não precisavam ter dons especiais, qualquer pessoa que quisesse participar. Ele conseguiu então um grande número de alunos, professores, funcionários da universidade. Todos eles se inscreveram para participar da experiência. O professor Carington chegava na universidade, no seu gabinete, e abria um dicionário, abria um dicionário e punha o dedo assim em cima de uma palavra. Olhava, via qual era a palavra, e fazia um desenho correspondente àquela palavra, um desenho a bico de pena num papel, abria a gaveta da sua mesa, guardava o desenho e fechava. Durante aquela noite todas as pessoas inscritas deviam captar aquele desenho, captar da maneira mais simples, não havia mistério nenhum. A pessoa sentava-se à sua mesa num lugar silencioso, no seu quarto, no seu gabinete, punha um papel em frente e fazia um desenho que lhe vinha a mente, o desenho que lhe ocorria, ele fazia. E no dia seguinte de manhã, entregava o seu desenho lá na universidade. O professor Carington então ia, depois, examinar os desenhos.

Os primeiros passos da experiência foram muito favoráveis, mostrando que muita gente estava captando os desenhos que ele fazia. Ele mesmo não sabia o desenho que ia fazer, note-se isso. O desenho era sempre ditado por um dicionário e às vezes ele usava também, para variar, para não viciar, por exemplo, com o dicionário, ele usava uma revista, um livro, ele punha o dedo lá e via a palavra que caiu e fazia o desenho. Aconteceu uma coisa espantosa, é que um grande número de pessoas traziam desenhos que não tinham nada a ver com aquilo que ele tinha desenhado. Mas dali a alguns dias (dois, três, quatro dias), ele fazia um desenho que já tinha sido captado anteriormente. Quer dizer, então custou para ele perceber isso, e logo no começo ele achou que a maioria dos desenhos não estava dando certo, mas que havia uma quantidade suficiente para provar que se captava o desenho que ele fazia. Depois que amontoou uma grande quantidade de desenhos ele começou a examinar, examinar aquilo atenciosamente. E ele verificou duas coisas bastante curiosas. Certos indivíduos, depois que passaram aquelas experiências preliminares, eles só captavam desenhos já feitos no passado. Principalmente elementos entrados de novo na experiência, a experiência foi muito longa. Então eles captavam desenhos que o Carington já feito no passado. E ninguém conhecia esses desenhos, porque ele não revelava, tudo aquilo estava guardado, ninguém sabia, ele queria fazer depois um balanço total da experiência, a verificação total para dar os resultados. Então, ele verificou que havia os que enxergavam no futuro e os que enxergavam no passado. Como poderiam por exemplo, trinta, quarenta, cinquenta indivíduos desenharem aquilo que ele só iria fazer dali a três ou quatro dias e que ele mesmo não sabia? Porque só a colocação do dedo no papel é que ia dar a ele a palavra para fazer. E como poderiam aqueles também captarem desenhos que ele havia feito anteriormente e que não haviam sido divulgados? Então isto deu a ele a indicação, ele não considerou prova, mas considerou uma sugestão de que havia indivíduos que captavam o futuro e que captavam o passado.

Nesse mesmo tempo, o professor Soal[16], na Universidade de Londres, estava fazendo uma grande pesquisa a respeito, também. E Soal se queixava de que os resultados não estavam sendo favoráveis. Então, Carington escreveu a ele dizendo: “examine bem os seus elementos, porque é possível que você esteja considerando como negativos resultados positivos, referentes ao futuro e ao passado”. Soal foi verificar e verificou a mesma coisa. Daí apareceu uma grande figura na pesquisa de Soal, que foi Shackleton[17]. Shackleton era um indivíduo que dizia o professor Soal, “este homem não vive no presente, ele só vive no passado e no futuro”. Porque de fato ele nunca captava uma... Soal não jogava com desenhos, ele jogava com cartas, as cartas ESP, que são cartas especiais para transmissão de símbolos através da telepatia. Então ele dizia “este homem não capta nunca os símbolos que eu coloco na mesa, ele capta sempre símbolos anteriores ou posteriores, ele vive entre o passado e o futuro, mas não no presente”. Ele nunca para no presente. Como esse homem, uma senhora que também revelou as mesmas condições, ele fez uma série de experiências muito grandes e comprovou cientificamente a realidade da percepção extrassensorial do futuro e do passado.

Assim, como já vemos, a própria experiência trouxe novos fenômenos para o campo da investigação, [fenômenos] que eles não queriam investigar. Porque, como diz o Professor Soal, quando nós falamos de precognição já entramos numa implicação religiosa, é o problema da profecia. E quando falamos da retrocognição, nós entramos também num problema muito complicado, que é o problema da adivinhação. Mas a verdade é que nós temos de enfrentar, porque os problemas surgiram diante da pesquisa, dentro da pesquisa, e nós não podemos deixar de lado. Assim, a parapsicologia foi avançando, forçada pelos próprio fenômenos, à revelia da vontade dos próprios parapsicólogos.

Hoje nós podemos dizer, toda investigação parapsicológica, em seus resultados quanto as pesquisas, confirmou plenamente as pesquisas de Kardec. Não há uma negação. Nós vemos aqui no Brasil, esses sacerdotes católicos, principalmente, que andam por aí dando cursos de parapsicologia e fazendo demonstrações teatrais de fenômenos de mágica, de teatro. Como se fossem fenômenos parapsicológicos, vemos eles dizendo que a parapsicologia destruiu o Espiritismo, mas é mentira, sempre mentira, eles sabem que não destruiu. Eles sabem porque eles estão lendo os tratados nos livros e estão vendo lá que os fenômenos foram todos confirmados, não há uma negação, há uma confirmação.

Eles se apegam a teorias. Por exemplo, não faz muito tempo que o padre Quevedo[18], que é o campeão dos charlatães da parapsicologia. O padre Quevedo chegou a declarar que certos fenômenos eram perfeitamente explicáveis pela parapsicologia como sendo apenas da mente do sujeito, não havendo intervenção nenhuma de espírito. Ele teve um debate comigo na televisão sobre isso, eu senti os seus [incompreensível]: “Ah, porque tem tal teoria, tal, tal, tal...” Eu digo: “Bom, teoria existem muitas. Eu quero saber dos fenômenos. Quais foram os resultados da pesquisa fenomênica que deram ao senhor o direito de dizer isso?” Ele não foi capaz de dizer, por que não há, não há resultado nenhum. Foram hipóteses levantadas durante a pesquisa, hipóteses naturalmente viáveis de cientistas que não queriam, não tinham a menor ideia de aceitar o Espiritismo, a realidade das hipóteses espíritas. Então, eles formulavam hipóteses que deviam ser provadas pela pesquisa, mas a pesquisa não provou essas hipóteses. A pesquisa mostrou o contrário, a pesquisa mostrou a realidade dos fatos, de acordo com aquilo que Kardec havia feito.

Eu estou dizendo isso pra nós, é necessário que um cientista demonstre através de experiências que não é assim, que está errado isso. Mas ninguém provou isso até hoje, pelo contrário, toda investigação científica confirmou aquilo que Kardec disse a respeito.

Só para se ter uma ideia mais clara disto, vamos voltar aquele assunto que nós já falamos várias vezes aqui, o assunto das pesquisas atuais na antimatéria. Nós sabemos que com o avanço da ciência no campo da física nuclear surgiu uma teoria muito interessante, que é a teoria dos universos paralelos. Descobrindo-se a antimatéria e considerando-se que a antimatéria corresponde a um mundo que é o reverso do nosso mundo, tem uma constituição atômica, que é o verdadeiro avesso da nossa constituição atômica, então os cientistas chegaram a ideia (ideia, né?), de que havia universos paralelos.

Por exemplo, nós tínhamos aqui uma galáxia por assim dizer, uma galáxia como a nossa de mundos materiais, sóis, planetas, mundos materiais. Mas tínhamos aqui uma outra galáxia que seria de mundos de antimatéria. Então os universos paralelos seriam isso, existia um ao lado do outro, quer dizer, onde existisse um universo de matéria existia também o universo de antimatéria. Ora, esta concepção não foi provada, foi apenas uma teoria, uma hipótese, uma hipótese científica para explicar porque eles achavam que a antimatéria não podia estar na matéria. Mas, o procedimento das investigações no campo atômico provou que a antimatéria está dentro da própria matéria. Então cai essa teoria dos universos paralelos. Este universo paralelo desaparece, porque só sobrou um Universo, que contém matéria e antimatéria. Então se existe matéria e antimatéria, nós não temos universos paralelos, mas sim universos interpenetrados, que é da teoria espírita. Quer dizer, o Espiritismo não chegou a uma conclusão nesse campo de maneira científica, observando através dessas investigações físicas, esse problema. Mas chegou de maneira científica e espírita. através da investigação das manifestações espíritas. E a conclusão espírita foi a que prevaleceu, agora, recentemente na ciência mais moderna. Quer dizer, nem nesse ponto, que é um ponto que Kardec dizia “este problema da formação cósmica, da constituição cósmica não é um problema da ciência espírita, a ciência espírita investiga o problema do espírito em si”. O espírito, e não os aspectos materiais, isso é um problema das investigações cosmológicas, tem de chegar a conclusões. Mas assim mesmo a posição espírita foi confirmada.

Nós sabemos que existe no Espiritismo a teoria do perispírito. O perispírito, como nós já dissemos tantas vezes aqui, é o corpo espiritual de que falava o apóstolo Paulo, de que falam as velhas correntes religiosas espiritualistas antigas. O perispírito é o corpo espiritual. Quer dizer, então nós temos dois corpos – há várias correntes espiritualistas que falam em sete e mais corpos, mas no Espiritismo não, existem apenas dois corpos, é o corpo material e o corpo espiritual. O corpo espiritual é o instrumento do espírito, o espírito não vive no mundo espiritual. Vamos dizer que a antimatéria seja o mundo espiritual. Nós achamos que é realmente o mundo espiritual na sua manifestação através do seu aspecto, que Kardec chamou de semimaterial, que é o aspecto mais aproximado da matéria, do fluido universal.

Então, considerando assim, nós vemos que o homem sendo um espírito, ele tem um corpo espiritual. Esse corpo espiritual é o que liga o espírito à matéria. O corpo material é produzido de acordo com as leis da natureza, seguindo o modelo do corpo espiritual. Então, existe um modelo que não é material, que forma e mantém a constituição do corpo humano. Este modelo é um corpo de natureza espiritual.

Mas, Kardec, investigando bem o assunto, chegou à conclusão, inclusive por informações dos espíritos, de que esse corpo espiritual não é puramente espiritual, ele é semimaterial, ele é constituído por energias dos dois campos, energia do campo material e do campo espiritual. Então, a teoria espírita é a seguinte, esses dois campos, o espiritual e o material, se relacionam, mas ele não se misturam, eles produzem uma energia que permanece entre eles e que os liga, esta energia no Espiritismo se chama fluido universal. Este fluido universal é elemento de ligação de espírito e matéria.

Então, nós teríamos aqui, nesta ideia que nós tivemos de um universo paralelo, que os cientistas tiveram, nós temos aqui uma situação assim. Em vez de ser um universo paralelo, é um universo um penetrado no outro, interpenetrado, dois universos interpenetrados. Ora, os próprios físicos, veja-se bem, os próprios físicos modernos, para explicar a posição de um universo paralelo ao outro, o de matéria e o de antimatéria, eles chegaram a conclusão muito interessante. Disseram a antimatéria aproximando-se da matéria age sobre a matéria, e a matéria reage sobre ela, então, produz um terceiro elemento, esse terceiro elemento é o que divide o universo de antimatéria no universo de matéria. Existe aqui então, um elemento que não deixa a antimatéria se aproximar da matéria. Isto aconteceu pelo seguinte, porque nas pesquisas de laboratório para a produção de partículas de antimatéria em laboratório, os cientistas verificaram que cada partícula produzida. Por exemplo, um elétron – nós temos um elétron que é uma partícula do átomo material. Então produzimos um antielétron. Produzido o antielétron esse antielétron, logo que se encontra com o elétron, os dois explodem. Então, eles dizem, não há possibilidade de existir dois universos paralelos, porque uma vez que a matéria encontrar com a antimatéria, explodem os dois universos. Mas a teoria da terceira energia que separaria os dois foi o que permitiu a aceitação da teoria dos universos paralelos.

Posteriormente a investigação provou que a antimatéria existe aqui mesmo, porque eles achavam que a antimatéria existia em outros mundos eram mundos diferentes completamente. Não, ela existe aqui mesmo, na matéria. Principalmente as investigações norte-americana e russa foi que chegaram à conclusão definitiva da experiência. Então, passaram a admitir que a existência deste universo não é real, e não se precisa disto, deste fluido. Mas ao mesmo tempo, houve necessidade de se ter uma ideia geral do Universo. Como existe esse Universo, como ele funciona? Então, surgiram várias teorias. O universo existe dentro de um oceano de elétrons livres, é uma teoria inglesa, de um oceano de elétrons livres, elétrons que não estão ligados a átomos, são livres. Outra teoria, a dos russos, o universo existe mergulhado numa luz ultravioleta, que deve proceder das origens do Cosmos. Essa luz domina o universo inteiro, todo universo está mergulhado nela.

Ora, a teoria espírita é de que o Universo existe mergulhado no fluido universal, que é produzido pela relação, esta relação que está aqui, relação de espírito e matéria. O espírito agindo sobre a matéria, a matéria reagindo sobre o espírito, produz um terceiro elemento, que é o fluido universal. Estou mostrando isto para os senhores verem como a teoria espírita, a doutrina espírita, ao contrário do que muita gente diz, que está superada pelas ciências, está à frente da ciência. Ela está balizando a ciência, porque até no problema cosmogônico, o Espiritismo está sendo comprovado pela pesquisa científica, pelo avanço da ciência.
Então, isso tudo nos mostra a importância da doutrina espírita, importância como uma doutrina que nos seus três aspectos, de ciência, filosofia e religião, ela nos leva para o futuro, ela está preparando um novo mundo. Então, a doutrina espírita é, por assim dizer, nós podemos considerá-la, sem receio nenhum, ela é a plataforma do futuro, o novo mundo que vai surgir, que está surgindo das investigações atuais. Do progresso da ciência, da filosofia, da religião, em todos os campos do saber, em todos os campos do conhecimento, todo este mundo que está surgindo aos nossos olhos, quem conhece a doutrina espírita, vê que tudo isso está sendo dentro da linha traçada pelo Espiritismo.

Então, quando nós nos aproximamos do Espiritismo por um motivo qualquer, geralmente é um motivo pessoal, aquilo que os norte-americanos chamam de o toque pessoal. Quando nós somos tocados principalmente por alguma coisa, nós nos aproximamos do Espiritismo, mas precisamos nos aproximar compreendendo isso, compreendendo que o Espiritismo não é uma seita religiosa. O Espiritismo não é uma religião no sentido comum do termo. O Espiritismo é uma doutrina que engloba todo saber humano, sendo os três campos fundamentais, da ciência, da filosofia e da religião, nos quais nós encontramos todas as sub-áreas. Todos os outros aspectos, como a estética, a ética, e assim por diante, os vários elementos pertencentes à ciência, à filosofia e à religião. O Espiritismo abrange toda essa visão (e a sua finalidade) é nos conduzir para a realização, a construção de um mundo novo.

Há um filósofo francês, pedagogo de grande renome, René Hubert[19]. Ele diz o seguinte, nos seus livros de filosofia e nos seus livros de pedagogia, ele diz o seguinte: “a educação tem por finalidade conduzir o homem a uma situação mental tão elevada, que ele se reconhecerá, não mais como corpo e, sim, como consciência”. Cada homem é uma consciência, então, diz ele “no futuro essa compreensão de que o homem é uma consciência produzirá a solidariedade de consciências na Terra, e destas solidariedade de consciências nascerá a república dos espíritos”. Esta é a tese de um homem que não é espírita, René Hubert ele é um neokantiano[20], ele não é espírita. No entanto ele chegou a esta conclusão nas investigações dele. Ora, é o que o Espiritismo objetiva. Quando nós vemos os livros da Codificação de Kardec, nós estudamos o Espiritismo a sério. Nós vemos abrir-se entre nós essa perspectiva, o Espiritismo está trabalhando nos alicerces da civilização para transformá-la, para orientá-la num sentido novo.

Foi o que aconteceu com o Cristianismo, o Cristianismo construiu um mundo novo na Terra. Quando ele surgiu ele era também encarado como uma seita do judaísmo, simplesmente uma seita do judaísmo e o judaísmo era uma obscura religião de uma obscura província do Império Romano, que era a Judeia. Mas os poucos elementos que trabalhavam no Cristianismo, e que não pertenciam a nenhuma das grandes categorias de filósofos, nem de sábios do tempo, esses poucos elementos eram olhados com ironia, mas eles trabalharam, humildemente foram trabalhando e construíram um mundo novo. O mundo pagão desapareceu, o grande Império Romano, com todo seu poderio, tudo isto, sucumbiu, e a cultura antiga também desapareceu para surgir uma nova cultura.

No Renascimento, nós tivemos um aproveitamento daquilo que de bom existia na cultura antiga, mas já relacionando com as novas conquistas da Era Cristã. Então, o Cristianismo cumpriu aquilo que Jesus explicou muito na sua parábola do fermento. Ele diz “põe-se numa medida de farinha uma porção de fermento, esta porção de fermento leveda toda farinha”[21], é o que fez o Cristianismo. Era uma porçãozinha de fermento na farinha do mundo, na grande massa de farinha do mundo. Este fermentinho levedou a farinha e transformou o mundo. Então nós passamos a viver naquilo que se chamamos civilização cristã, mas que ainda está longe de ser.

Agora, o Espiritismo veio para completar este trabalho. O Espiritismo nasce então, com um fundamento de revelação, um aspecto religioso, inegável, mas não tende a formar uma religião sectária, uma religião constituída em forma de igreja, não tende a isso. Tende apenas a integrar o homem numa concepção geral do mundo, num conhecimento geral do que existe no mundo e na sociedade humana e, ao mesmo tempo, procurando reajustar isto num plano superior do pensamento. Quando nós vemos isto, podemos nos assustar. Mas nós espíritas estamos dentro desse trabalho? Nós que vamos fazer isso? É exatamente nós que vamos fazer isso, como simples instrumentos de forças maiores, porque é a espiritualidade superior, são os espíritos dos planos superiores que estão conduzindo o mundo para esse caminho. E que, através de todos aqueles que trabalham no Espiritismo, que se integram na doutrina, vão abrindo caminho para que realmente se... [Aqui termina a fita 2.]

É preciso lembrar esta visão geral para nós compreendermos que não podemos fazer do Espiritismo – eu costumo dizer isso e acho uma imagem muito acertada – nós não podemos fazer do Espiritismo, um comprimido para dor de cabeça. Realmente nós fazemos do Espiritismo isso. Eu vou ao centro tomar um passe, eu vou ao centro participar de uma reunião porque estou com dor de cabeça. Eu tenho um problema que não posso resolver, tenho um problema que não tem solução, então eu vou ao centro espírita, e lá eu recebo, eu tomo o meu comprimido de Espiritismo e saro, a dor de cabeça passa. Não podemos fazer do Espiritismo isso. Podemos naturalmente nos beneficiar com tudo quanto o Espiritismo nos oferece pessoalmente, individualmente. Mas devemos, e precisamos ter a visão geral da doutrina, compreender que a função dela não é apenas atender os nossos casos particulares, a função dela é muito maior, é construir na Terra um mundo novo.

As ideias espíritas, como diz Kardec, elas vão caminhando, vão se disseminando e propagando entre o povo. Não quer dizer que todo mundo vai ficar espírita. Quando o Cristianismo transformou o mundo o mundo, todo não ficou cristão, ainda hoje o mundo inteiro não é cristão. Nós temos grandes religiões no mundo que não são cristãs. Mas isso não afetou nada porque dentro de cada uma destas religiões, dentro de cada uma dessas posições diferentes, as ideias cristãs se infiltraram e modificaram as condições. Quando nós vemos a civilização por exemplo, a civilização budista, a civilização muçulmana, as velhas civilizações do Oriente, a civilização, por exemplo, baseada no pensamento de Confúcio[22], na China. Nós verificamos que essas civilizações foram obrigadas a se adaptar as condições cristãs. Por quê? Porque o pensamento dominante no meio cristão repercutiu por lá, repercutiu nesses países, nessas civilizações, e produziu modificações nelas. Então, embora eles não aceitem o Cristianismo, entretanto eles estão seguindo a orientação cristã.

O Espiritismo fará a mesma coisa, quer dizer, a finalidade dele não é transformar todo mundo em espírita, mas é dar uma orientação nova a cultura no sentido geral. Quando nós compreendemos isso então nós vemos a necessidade premente de estudar Espiritismo. Não adianta frequentar sessões, desenvolver a mediunidade, e ficar fazendo trabalho, como nós chamamos, os trabalhos de caridade. Tudo isto é muito bom, mas tem de ser também acompanhado de estudo da Doutrina, um estudo constante, para uma compreensão cada vez maior, do conhecimento cada vez maior. Porque só conhecendo a doutrina, é que nós poderemos auxiliá-la no cumprimento da sua missão, do seu trabalho, que é a transformação do mundo. E essa transformação virá não por nós, mas pelos princípios, pelo poder dos princípio da Doutrina. E nós teremos a nossa contribuição na proporção em que pudermos viver e transmitir esses princípio a outros.

Então, eu queria hoje ficar neste ponto apenas. Eu ia falar sobre o problema, também, da nossa maneira de como ter uma visão geral da doutrina, mas isso eu direi no próximo sábado.

 

 [1] Ectoplasmia é uma expressão para referir a fenômenos de materialização. Ectoplasma é um termo criado por Charles Richet (1850 – 1935) e usado no espiritualismo para designar a energia espiritual exteriorizada por médiuns.

[2] Julian Leopold Ochorowicz (1850 – 1917), psicólogo, filósofo, inventor e poeta polonês.

[3] O sr. Carlotti era amigo de Kardec há mais de 25 anos e o convidou a assistir sua primeira reunião de efeitos físicos. Kardec então iniciou a investigação dos fenômenos mediúnicos.

[4] Segundo a Teoria das Reminiscências de Platão, a alma é imortal e, ao encarnar, possui conhecimentos ou saberes que traz consigo, mas de que não se recorda. O papel do filósofo é fazer a alma recordar desses conhecimentos prévios, pelo uso da maiêutica socrática.

[5] Johann Karl Friedrich Zöllner (1834 - 1882), astrónomo e físico alemão.

[6] William Crookes (1832 – 1919), químico e físico britânico.

[7] Oliver Lodge (1851 – 1940), físico e escritor inglês.

[8] Papelote é uma corruptela da palavra “piparote”, o mesmo que ‘peteleco’. É o gesto de distender um dedo (geralmente o médio) com força, antes dobrado e apoiado sobre o polegar, para dar uma pequena pancada.

[9] Charles Richet (1850 – 1935), médico fisiologista francês. Prêmio Nobel de Medicina de 1913 e fundador da Metapsíquica.

[10] Ernesto Bozzano (1862 – 1943), professor da Universidade de Turim e pesquisador espírita italiano.

[11] Herbert Spencer (1820 – 1903), filósofo, biólogo e antropólogo inglês.

[12] Cairbar Schutel (1868 – 1938), escritor e divulgador espírita.

[13] Joseph Banks Rhine (1895 – 1980), botânico e pesquisador, cunhou o termo ‘parapsychology’ juntamente com o psicólogo William McDougall.

[14] Joseph Banks Rhine (1895 – 1980), botânico e pesquisador, cunhou o termo ‘parapsychology’ juntamente com o psicólogo William McDougall.

[15] Whately Carington (1892 – 1947), parapsicólogo britânico.

[16] Samuel George Soal (1889 – 1975), matemático e parapsicólogo britânico.

[17] Basil Shackleton (séc. XX), fotógrafo londrino e sujet de experiências ESP (Percepção Extrassensorial).

[18] Óscar González-Quevedo Bruzón (1930 – 2019), padre católico e professor universitário.

[19] René Hubert (1885 – 1954), historiador da filosofia e teórico da educação francês.

[20] Neokantiano é um partidário do neokantismo. Neokantismo é um movimento que surgiu na Alemanha a partir da segunda metade do século XIX que preconizava o retorno aos princípios de Kant.

[21] Parábola do Fermento – v. Mateus 13,33 e Lucas 13, 20-21

[22] Confúcio (552 a.C. – 489 a.C.), pensador e filósofo chinês.


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